CHUMBO TROCADO NÃO DÓI!


Wagner Fontenelle Pessôa

O sujeito era desses que, acima e além de qualquer possibilidade mais concreta, não perdia a chance de se adiantar com a mulher, a noiva ou a namorada alheia. E por isto mesmo, de vez em quando, passava por um dissabor ou constrangimento. Mas não perdia o costume e a oportunidade de dizer um galanteio ou de tomar uma atitude mais ousada em relação à mulher do próximo.
            Por outro lado, como residia com a família num condomínio fechado, com casas de um bom padrão, no qual as confraternizações entre os moradores eram frequentes — com churrascos, banhos de piscina, bebida farta e outros motivos para a interação condominial — de vez em quando, a sua caradura lhe rendia bons frutos, em relação a alguma vizinha ou eventualmente, hóspedes, cunhadas, primas ou amigas de outros moradores, convidadas para aquelas tardes fagueiras.
            Deste modo, houve um dia em que a carraspana foi geral e a maioria dos homens acabou adormecendo, ao cair do sol, estirados nas espreguiçadeiras espalhadas pelo deck da piscina, exceto os que haviam se retirado um pouco antes, para dormir o sono dos embriagados em casa mesmo. Pois foi neste dia que ele resolveu dar uma escapada até a casa de um dos que deitaram "nos braços de Morfeu" (que é o deus grego dos sonhos), lá mesmo na área da confraternização.
            Tinha passado a tarde toda "cercando" a mulher do dito cujo — aliás, uma loura bem jeitosa, mas com a maior cara de vadia — em todas as oportunidades que surgiram. Ela fingia que refugava o assédio, mas, na verdade, estava apenas instigando a vontade do calhorda, como toda mulher, quando quer, sabe fazer. De tal sorte que, despistando e disfarçando, acabaram indo se encontrar na casa dela, enquanto o marido roncava de boca aberta na beira da piscina e ele, o chamado "Ricardão", entrava pela porta de serviço da residência do casal, para que ninguém percebesse.
            E, assim, já no quarto do casal, tudo ia correndo às mil maravilhas, quando o cabrão, acordando do seu sono, tomou o rumo de casa, em busca de sua cama. Que, aliás, já estava ocupada pelo prestativo vizinho. Ao ouvir o barulho do marido abrindo a porta e subindo pela escada, a loura, que não era estreante nessas coisas, disse para o pecador que desfrutava dos seus favores e já não tinha mais tempo, nem mesmo, para se vestir:
            — Rápido, ponha esse boné para cobrir o seu rosto e fique parado aqui no canto do quarto, imóvel mesmo, que eu controlo a situação até ele dormir, prá você cair fora!
            E assim foi feito. Só que o marido, ao olhar o outro peladão, perguntou à mulher o que diabo era aquilo. E esta, sem pestanejar, disse que era uma estátua que ela vira a bom preço e que comprara para decorar a casa. O marido aceitou a explicação, mas, em lugar de se deitar, disse à mulher que queria, mesmo, era lanchar alguma coisa, antes de dormir.
            E lá foi ela, contrafeita, preparar uns sanduíches, enquanto o marido se esticou na cama, com os olhos bem abertos na direção da tevê, mas espiando, de canto de olho, enquanto esperava pelo lanche. E quando este chegou, estando a mulher visivelmente agoniada, ele lhe disse que fosse tomar um banho, porque, depois, ele iria "querer"!
            Fazer o que, numa situação difícil daquelas? Ela foi para o banheiro e quando fechou a porta, o marido se levantou, com um sanduíche e um copo de refrigerante nas mãos. Foi até a "estátua" e lhe disse baixinho: "Taí... Come e bebe alguma coisa, desgraçado!". E diante do olhar espantadíssimo da "escultura", ele completou:
            — Noutro dia eu passei por uma situação destas, lá na casa dos Almeida. Fiquei pelado e em pé a noite inteira e não me ofereceram nem um copo d'água!
            Como se vê, entre os casais mais modernos, "chumbo trocado não dói"...

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