FINALMENTE, UMA HISTÓRIA TRISTE


   Wagner Fontenelle Pessôa                                              
Consta que, certa vez, um repórter da BBC, de Londres, estava fazendo um documentário no Curdistão, cujo propósito seria o de mostrar aos telespectadores daquela rede de televisão os usos e costumes, assim como os aspectos mais inusitados daquela região e daquela gente, normalmente, pouco conhecidos no mundo ocidental.

            As filmagens e entrevistas já iam se encaminhando para o final, quando o documentarista, estando numa aldeia distante, encravada nas altas montanhas que ficam quase na
fronteira da Turquia e da Armênia, foi informado pelo seu guia e tradutor que, bem perto dali, vivia um velho com 115 anos, pelo que dizia a voz corrente. E que como ainda era incrivelmente lúcido, talvez valesse a pena entrevistá-lo também.

            O guia nem pestanejou e já estava guiando o repórter em busca de tão singular figura, que foi encontrada, afinal, depois de bem umas duas horas de caminhada, montanha acima, num terreno difícil e acidentado.

            Mas valeu a pena, porque o depoimento tomado daquele ancião era rico em informações e acrescentava um toque especial ao documentário sobre a terra dos curdos. Até que, já quase encerrando a conversa e animado pela prodigiosa
memória do velho, o entrevistador da BBC, traduzido pelo guia, lhe pediu:

            — Meu velho, para completar, conte aí uma história alegre da qual você se lembre, nessa longa vida que tem tido, aqui nesta bonita região!

            O homem pensou um pouco e começou a falar:

            — Certa vez, a mulher de um aldeão se perdeu aqui nas montanhas e foram todos os homens da aldeia ajudar na procura por ela. A busca demorou o dia quase todo, até que, já escurecendo, finalmente a mulher foi encontrada. Aí, como é do nosso costume, acendemos uma fogueira e passamos a noite toda bebendo, cantando e fazendo sexo com ela, para comemorar.

            O repórter, algo constrangido, esclareceu que os costumes do Ocidente eram um pouco diferente daqueles e que
seria meio complicado contar essa história na televisão. Então, pediu ao velho que contasse outra história alegre, porque a que havia contado, não era boa para se mostrar ao público da emissora. Com a paciência de quem não tinha mais o que fazer, o narrador recomeçou:

            — Bem... Certa vez, a cabra de um outro aldeão também se perdeu aqui nas montanhas e,  novamente, todos os homens do lugar se reuniram para procurar o animal. Andamos o dia inteiro e, quando já começava a escurecer, a cabra foi encontrada. Todos ficaram felizes e, como é o costume da aldeia, fizemos uma fogueira e passamos a noite bebendo, cantando e fazendo...

            Quando viu no que iria dar a narrativa, o enviado da BBC nem deixou que ele continuasse. Interrompeu a filmagem e percebendo que o velho não havia entendido bem o espírito da coisa, mudou a estratégia, pedindo que ele não contasse mais nenhuma história alegre. Era melhor que ele contasse uma história triste, mesmo!

            Foi quando o centenário aldeão ficou pensativo e começou a dizer:

            — Certa vez, eu me perdi nas montanhas...

            Pensando bem, era uma aldeia distante, sem muitas histórias para serem contadas, E, pelo visto, sem muitas opções de lazer também!

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