ADULTÉRIO E GOZAÇÃO




Wagner Fontenelle Pessôa

A natureza peculiar do povo brasileiro é produto da miscigenação racial que deu origem a esta sociedade. Dependendo da região, é possível observar um componente novo no jeito das pessoas, como resultado da influência étnica específica, que o processo de colonização impôs ali. Mas, de uma forma geral, o que prevalece no “jeito brasileiro” são os traços do negro, do índio e do português.

            Não digo tal coisa de uma forma crítica, mas com certo entusiasmo, porque
considero que existem, na nossa formação e em nossa herança cultural, algumas características que, efetivamente, fazem de nós um povo mais divertido. Apesar de todas as desventuras que a política e os políticos nos trazem a cada dia.

            E dentre as coisas que eu mais aprecio, no jeito de ser da nossa gente, estão a musicalidade espontânea, que
herdamos do negro; o sentimentalismo, que nos trouxe o português; e o espírito de humor, que nos veio pelo lado do índio.

            O conjunto dessas características é que faz com que sejamos uma gente meio matreira e cheia de ginga. Em geral, afetuosa e efusiva. E um tanto quanto debochada, irônica e mordaz. Acho que é um jeito divertido de ser, embora, para os estrangeiros, isto normalmente se traduza como safadeza, falta de profissionalismo e irresponsabilidade. É o preço que nos cabe pagar, por sermos assim como somos.

            O brasileiro é do tipo que se endivida, sem grandes preocupações com o momento de pagar a dívida. Somos o povo do “devo não nego, pagarei quando puder”, embora as estatísticas oficiais garantam que estamos passando por uma fase de endividamento decrescente. Do que, aliás, eu duvido um pouco.

            Mas em fevereiro tem carnaval. E um exército de miseráveis assalariados se transforma na mais fina flor da nobreza: em príncipes e princesas, em reis e rainhas, em porta-bandeiras e mestres-salas. Então, os credores que vão para “o diabo que os carregue”, porque ninguém é de ferro e o momento é de descanso e diversão.

            Por outro lado, possuímos um senso de humor apurado e adoramos rir, tanto dos outros, quanto de nós mesmos. Fazemos piadas sobre o nosso próprio infortúnio, o que, frequentemente, nos tem poupado do desespero. É o nosso lado “mangador”, uma herança indígena que só enriquece a nossa maneira de ser.

            O brasileiro faz piada de tudo e sobre todas as suas mazelas: da fome à corrupção, da doença ao desemprego, do desamor ao adultério. Ri dos chifres alheios e dos seus proprios cornos. Curte com a cara da adúltera, do “Ricardão” e do que usa a “peruca de touro”. Não perdoa ninguém!

            Como naquela história em que o sujeito procurou um advogado, dizendo que queria processar a sua propria mulher, por “adultério e gozação”. O profissional não entendeu direito e explicou ao tipo que o adultério já deixou de ser crime, mas que poderia, ainda, processá-la, sim, com base na questão dos danos morais. Mas que não havia como fazê-lo por “gozação”, já que isto não estava previsto na legislação do país.

            E como o galhudo insistisse naquela forma de processar a caridosa senhora, o advogado acabou perdendo a paciência e perguntando:

            — Afinal de contas, meu amigo, que conversa é esta, de “adultério e gozação”? O que foi que aconteceu, realmente?

            Ao que o corno esclareceu:

            — Eu entrei em casa, meio fora do horário... Encontrei a minha mulher na cama com o meu sócio. Mas, quando achei que ele tentaria fugir e que ela cairia de joelhos, pedindo perdão, ela me olhou de um jeito cínico, e ainda me disse: “Ah, foi bom você chegar! Puxe uma cadeira e sente aí, para aprender como é que se faz isto direito”... Além de adultério, doutor, também não é gozação?

            Num certo sentido, tinha alguma razão o chifrudo! E esta história só me lembra um certo prefeito que houve na minha cidade... Mas cujo nome eu não direi, nem sob tortura!

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