TODA REGRA TEM EXCEÇÃO




Wagner Fontenelle Pessôa             
Nas minhas idas e vindas por esse mundão de Deus, passei um tempo trabalhando e vivendo na bucólica cidade de Ouro Preto (MG), que, naquela época era bem mais bucólica do que é agora, maltratada que anda, pelo tipo de turismo e, principalmente, de turista que recebe. Mas isto fica para outra hora e lugar, que o assunto de hoje não é este.
            Por lá, fui docente numa instituição pertencente à rede federal de ensino e
tive, como meu diretor, um desses tipos inesquecíveis, que todo mundo encontra pelo correr da vida. Era o professor Sebastião, um homem já idoso e marcante, sobretudo, pela sua admirável sensibilidade como artista plástico e pela sua habitual elegância, no vestir e no falar.
            Antes de assumir a direção daquele estabelecimento, ele fora, lá mesmo, professor de desenho técnico e artístico. Um trabalho do qual se desincumbira com extrema dedicação e competência, segundo atestavam vários dos seus ex-alunos, com quem convivi. Mas ele não era apenas isto. Como artista plástico — pintor e desenhista — era dotado de um valor excepcional. Tive a oportunidade de apreciar vários dos seus trabalhos, que embelezavam e decoravam a sua bonita casa, em estilo colonial, cada um mais lindo do que o outro!
            Por essa época, eu assinava a coluna de turismo numa revista, que era editada em Belo Horizonte. E, certa vez, publicando uma matéria sobre a própria cidade de Ouro Preto, perguntei se ele não teria algum desenho disponível, que me pudesse servir de ilustração à matéria. Dias depois, presenteou-me com um esboço em bico de pena, que valorizou muito mais o meu espaço naquela edição do que o meu próprio texto. Coisa linda de se ver!
            No entanto, não sei se pela idade ou se por sua própria natureza, o professor Sebastião possuía um temperamento irritadiço. Tinha muita paciência para umas coisas e quase nenhuma para outras. Era intolerante, por exemplo, com a burrice alheia, que o fazia ter uma clara e imediata atitude de exasperação. E havia nele um jeito característico e engraçado de expressar essa sofreguidão, que lhe provocavam as pessoas obtusas. Fechava os olhos, batia com a mão espalmada na própria testa e dizia, esticando os erres da palavra final:
            — Esta criatura é de uma burrrrrrrrice!!!
            Sempre ri muito, pelo seu jeito de lidar com isso, mas houve um dia em que estávamos, nós dois, numa agência bancária, da qual ambos éramos clientes. E lá havia uma funcionária pela qual ele desenvolvera uma particular má vontade, sob o argumento de que, além de meio burra, ela era mal humorada e sem educação. No que não estava errado.
            Ele tentava realizar uma operação — salvo engano, uma transferência bancária — numa época em que nem se imaginavam os recursos eletrônicos com que contamos hoje em dia. E a tal da funcionária, que, na agência, exercia a função de caixa, só complicando a coisa para o lado dele. Até que, diante da irritação crescente do Professor Sebastião, ela lhe deu uma resposta meio atravessada, que ele retrucou, de uma forma inesperada para mim:
            — Escute, minha filha... Eu sempre soube que toda mulher feia, para compensar, costuma ser muito simpática. Mas estou vendo que você é a exceção que confirma a regra!
            Eu até tentei evitar, mas não resisti e acabei caindo na risada, bem na frente da tal bancária. Que, desde então, passou a me atender com visível má vontade também. Mas, que culpa tive eu, se, de fato, toda regra tem exceção?

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