Crônica da semana/ BOA TARDE, "SEU" ALCIMAR...




  Wagner Fontenelle Pessôa                                         

O "ato falho" ou "lapso freudiano", como também é conhecido nos estudos da Psicanálise, é, de forma simplificada, um erro na fala, na memória, na escrita ou, mesmo, numa ação física, que, supostamente, seria causada pelo inconsciente.

    Não é o objetivo destas linhas, no entanto, entrar em maiores considerações psicanalíticas sobre o tema, porque, em primeiro lugar, esta não é a minha praia e não pretendo me aventurar neste terreno que não conheço. Em segundo, porque o tipo de assunto que me proponho a tratar por aqui, é mais leve e mais lúdico.

    Para melhor clareza porém, do que seja aquilo que se conhece como "ato falho" não me custa exemplificar, com aquela complicada situação em que o marido chama a mulher pelo nome de outra. Ou em que, em sentido contrário, nos momentos estratégicos e íntimos do casal, a mulher começa a gritar:

    — Vai João! Vai João, que eu já estou indo também!

    O "ato falho", neste caso, ocorre porque o marido, a par dos estimulantes gemidos da patroa, não se chama João; chama-se Valdir! Olha só que situação difícil esta, que pode terminar até em separação! Ou num episódio de violência doméstica, com o Valdir dando uma sequência de chifradas na mulher e no João.

    Nem sempre, porém, esses lapsos têm consequências tão graves. Todos os dias, praticamente, as pessoas os cometem, sem maiores efeitos ou produzindo, apenas, um susto ou um riso entre os presentes. É uma palavra que se usa em lugar de outra, mudando o significado e a intenção da frase; é uma reação que se tem, em desacordo com o que seria adequado para o momento e outras coisas do gênero.

    Dito e explicado assim, eu me lembro aqui de dois ou três exemplos, vividos ou presenciados por mim, no que a isto diz respeito. Mas prefiro, em lugar deles, mencionar o "ato falho" protagonizado pelo pai de um colega meu, que se separou da mulher, mas ficou com a guarda dos filhos, que formavam aquela "escadinha" — incluindo o que trabalhava comigo — para cuidar, alimentar, educar, acompanhar nos estudos e tudo mais, que os pais e mães, normalmente, dividem entre si.

    Pois, quando o pai chegava do trabalho, os meninos, cada um mais encapetado do que o outro e sem a mãe que os controlasse, muitas vezes, estavam ainda sem tomar banho, sem fazer as lições ou brincando num campinho de pelada que ficava próximo da casa em que moravam.

    E foi numa ocasião dessas que, ao chegar um pouco mais tarde à casa, "seu" Alcimar encontrou aquele caos na família: a empregada querendo servir o jantar para ir embora, com as meninas ainda sem terminar seus deveres de casa. Já os meninos, na luz mortiça do sol que se punha, corriam atrás da bola no campinho, em meio à poeira que se levantava. E mais suados do que "tirador de espírito" em sessão de Umbanda!

    Duas casas depois, moravam duas irmãs idosas, com 89 e 91 anos de idade, respectivamente, que cumpriam a suave rotina de, todos os dias, após o jantar, caminharem de braços dados pela calçada, indo e voltando algumas vezes, de uma ponta à outra do quarteirão, para "ajudar a fazer a digestão".

    Enquanto isto, o pai da meninada chegava ao portão para chamar os filhos, que continuavam correndo atrás da bola, no meio da poeira. Já no limite da exasperação, pôs as mãos em volta da boca, à moda de um megafone, encheu os pulmões de ar, armou o grito na direção do campinho e... As duas velhinhas, que iam passando bem pela sua frente, o cumprimentaram, com a cortesia de sempre:

    — Boa tarde, "Seu" Alcimar.

    No embalo que ia, ele foi! Mudando o texto, mas sem baixar o volume, largou um berro no ouvido das duas passantes:

    — BOA TARRRRRRRRDEEEEEEEEEEEE!!!!!!!!!!!!

    As idosas estremeceram dos pés à cabeça, enquanto uma dizia para a outra:

    — "Seu" Alcimar parece que ficou foi doido!

    E nunca mais falaram com o vizinho. Apenas, por culpa deste simples "ato falho". Compreenderam, agora, do que se trata?

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