Crônica da semana/ VAI ESTRAGAR A PESCARIA


Wagner Fontenelle Pessôa

Já faz algum tempo — que não me lembro, exatamente, quanto — assisti um documentário na TV Record, cujo tema era a vida e a rotina dos camaiurás (ou kamaiurás), que constituem uma etnia indígena brasileira e habitam o Parque Indígena do Xingu, no Estado de Mato Grosso. A repórter, encarregada da matéria, passou alguns dias entre os índios daquela tribo, com mais dois colegas, que cuidaram da parte técnica, para a realização da interessante matéria.
            Tentava, mesmo sem ser antropóloga, delinear um perfil daqueles indígenas, mostrando e explicando o seu modo de vida e seus costumes para os que, como eu, assistiriam ao documentário pela televisão, confortavelmente instados numa poltrona ou sofá. Sem precisar enfrentar os incômodos da viagem, os mosquitos e pernilongos típicos desses lugares e sem ter que experimentar comidas ou bebidas exóticas, para demonstrar simpatia aos moradores da tribo.
            Não pretendo parecer preconceituoso quanto a isto. Porém, nessas excursões às reservas indígenas, com frequência, os visitantes são submetidos a determinadas "provas de boa vontade e resistência", sobretudo no que diz respeito a algumas comidas e bebidas, meio repulsivas, para o gosto de muitos. Como, por exemplo, beber o cauim, bebida alcoólica preparada à base de mandioca fermentada e cuja fermentação é feita com a saliva das mulheres da tribo. O que é, de fato, um "programa para índio bêbado"!
            No entanto, o que me despertou uma especial atenção, foi quando a repórter resolveu mostrar e explicar como é que os camaiurás pescam. Ou, mais do que isto, qual é o ritual que eles adotam em sua pescaria. E o negócio funciona, mais ou menos, assim: os índios, na véspera, fazem uma incursão à mata, em busca do "timbó", palavra que designa um conjunto de plantas tóxicas — no caso deles é o cipó-timbó — que eles esmagam e jogam na água onde vão pescar. Os peixes, entorpecidos, começam a boiar e podem, com facilidade, ser apanhados com as mãos.
            Neste ponto da matéria, veio a explicação de que são as crianças que apanham os peixes. Porque, segundo o índio que acompanhava a gracinha da repórter, "as crianças não têm relações sexuais ainda". Senão, os peixes podem acordar e ir embora, segundo sua crença.
            Pois enquanto o morubixaba explicava essa doçura de ritual para a documentarista, o que se via, um pouco mais para trás, era um indiozinho, aí pelos seus doze ou treze anos de idade, esperando para resgatar os peixes atordoados pelo timbó. Com os olhos grudados nas pernas da repórter e, sem uma única folha de parreira a lhe cobrir as vergonhas, ele dava mostras do seu máximo entusiasmo pela ilustre visitante de sua tribo.
            Assim, o indiozinho — embora figurando entre os inocentes apanhadores de peixes, porque ainda não se havia iniciado nas relações sexuais — exibia, sem nenhum pudor, a prova de que estava pronto para abandonar o grupo das crianças e participar de outras batalhas, mais gloriosas.
            Em meio ao riso que a cena me provocou, só consegui ter um pensamento: "esse moleque vai estragar a pescaria!". E, coincidência ou não, mais adiante, encerrando a parte da reportagem sobre o ritual de pesca dos camaiurás, a jovem repórter observou que, naquele dia, a pesca não fora tão boa assim.
            O que, para mim, não foi surpresa alguma. Porque, pelo "estado da criança", vários peixes devem ter acordado do entorpecimento pelo timbó e saído nadando outra vez!
 

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