O NEGÓCIO DA "BIRITA"


       Wagner Fontenelle Pessôa                        

No nosso tempo de ginásio havia, no caminho que nos levava do Liceu até o ponto em que tomávamos o ônibus para casa, um barzinho "furreca", só frequentado por uns biriteiros, desses, que preferem ser bêbados conhecidos entre os seus iguais, do que alcoólicos anônimos perante o restante da sociedade.
Ficava instalado numa casa velha, onde, além da pinga, propriamente dita — de várias qualidades e marcas, mas todas baratas, ao alcance do bolso de seus frequentadores habituais — eram servidas doses de Vermute, Cinzano, conhaques, "traçados", "Samba em Berlim" (uma agreste mistura de cachaça com Coca Cola) e, para os de gosto mais refinado, uma "Cuba Libre", de vez em quando. Pois era só o que tinha.
Melhor dizendo, tinha também, lá nos fundos, uma mesa para o "futebol totó", que alguns chamam de "pebolim". Cujas bolas eram liberadas para o jogo mediante fichas que custavam 1 cruzeiro, com direito a cinco delas, se não me engano. E, para uma geração que não possuía videogames, computadores e outros recursos eletrônicos para o lazer infanto-juvenil como os que temos agora, é fácil compreender o sucesso que aquilo fazia no meio da garotada.
Assim, quando os alunos do Liceu descobriram a mesa de "futebol totó" naquele local de biriteiros, aquilo virou uma festa, no final das aulas! E o meu amigo Nando, colega de turma e de traquinagens nos períodos de férias, logo me ensinou o caminho das pedras e me
convidou a acompanhá-lo nas incursões à "Birita", que era como identificávamos o boteco.
Tudo o que gastávamos ali — para comprar as fichas do jogo — eram dois ou três cruzeiros (algo equivalente a uns três reais, se tanto, no dinheiro de agora), a cada vez que aparecíamos por lá. Até porque a maioria dos adolescentes e pré-adolescentes da minha geração normalmente não possuía dinheiro no bolso, além daquele necessário para pagar o ônibus de volta para casa. Não havia apostas e o prazer era poder jogar aquele jogo, diferente dos que tínhamos à nossa disposição.
Mas deu-se que, num certo dia, o meu irmão Fernando me ouviu combinando com o meu amigo Nando uma passada pela "Birita", na saída das aulas. Curioso, perguntou do que se tratava e nós lhe contamos, junto com o convite para que fosse até lá conosco.
Não me lembro se ele foi conosco até lá ou se recusou o convite. Mas lembro bem que, ao chegar em casa, fez, de mim, uma "delação não premiada" para mamãe:
— Wagner está jogando a dinheiro, na saída do Liceu!
Pois ao chegar em casa, após o meu último dia de jogatina na "Birita", fui recebido pelo severo olhar azul da minha mãe, um sermão alentado e a determinação definitiva de que eu jamais tornasse a por os pés naquele lugar, sob pena de que o assunto seria levado ao conhecimento do papai. Que costumava resolver as questões mais graves da nossa disciplina de uma forma, digamos, menos pedagógica.
Nem consegui explicar para ela que o jogo não era a dinheiro, porque ela não quis ouvir os meus argumentos, acreditando mais no falso testemunho do meu irmão do que na verdade da minha defesa. E o assunto foi encerrado, sem maiores dramas ou problemas.
O meu amigo Nando, no entanto, mais acostumado com o rigor que havia para o tratamento de certos assuntos na casa dele, preocupou-se com o que poderia ocorrer comigo, se aquilo chegasse ao conhecimento do meu pai. E sendo assim, dalí por diante e até o final daquele ano letivo, sempre que se encontrava com o meu irmão, chamava por ele em tom de confidência e lhe perguntava, para assegurar-se de que estava tudo bem:
— Psiu!!! E o negócio da "Birita"?
Uma interpelação, aliás, que irritava profundamente o Fernando. Mas que acabou sendo a minha vingança pela "crocodilagem" que ele me fizera. Porque, se eu fosse um tipo vingativo mesmo, até poderia ter ido mais longe. Contando à nossa mãe, por exemplo, que o mano estava fumando escondido. Um "racha peito" chamado "Continental" e sem filtro!



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