Crônica da semana/ A CAMISA VERMELHA


Wagner Fontenelle Pessôa

       O mundo está recheado desse tipo de gente que passa a vida toda representando ser o que não é, ostentando um valor que não tem e fingindo ter uma competência que não possui. É compreensível que queiramos mostrar aos outros o melhor de nós mesmos. Afinal de contas, é disto que depende, em certa medida, aquilo que se conhece como o atributo da "aceitação social".
       Mas não é nisto que está o problema. O problema está em que, à procura dessa imagem melhorada, alguns exageram na própria maquiagem. E de tal maneira, que acabam representando um personagem que não são, em lugar de viverem a sua própria vida e de mostrarem a sua verdadeira face.
       Há, por conta disto, um monte de sujeitos circulando por aí, fantasiados de intelectuais, sem o serem. Ou fingindo que possuem um refinamento que, na verdade, não possuem. Ou dando a impressão de serem muito corajosos, quando não passam de uns frouxos que se fazem de valentes.
       Um boa forma de exemplificar tais circunstâncias, é aquela história do capitão de um navio pirata — o Capitão "Barba Negra" — e a sua camisa vermelha. A história é conhecida, mas, por servir como uma "bainha à sua espada" para evidenciar aquilo que estou tentando demonstrar, vou contá-la assim mesmo.
       O Capitão "Barba Negra" era o terror dos mares e só a menção ao seu nome já fazia tremerem os capitães de outros navios, que navegavam sob bandeiras inglesa, espanhola ou de qualquer nacionalidade. Porque, quando essas naus eram atacadas pelo temível capitão pirata, a abordagem era inevitável, a luta era feroz e o saque era total. Na maior parte das vezes, com o navio assaltado indo a pique.
       Em tais ocasiões, porém, antes do início do combate, havia uma rotina a bordo do navio pirata, que os comandantes e tripulantes das outras embarcações não sabiam e nem podiam imaginar. Avistada a nau a ser atacada pelo homem que estava de serviço na gávea (que é aquele posto de observação no mastro dos navios), ao ser avisado da aproximação da potencial vítima, o Capitão "Barba Negra" logo gritava:
       — Preparem-se para a abordagem e tragam a minha camisa vermelha!
       É que, por alguma razão desconhecida de seus homens, o capitão pirata só entrava em luta metido naquela camisa. Mas os seus liderados não sabiam se ele a vestia como uma espécie de uniforme de combate ou se aquilo seria algum tipo de superstição. Porque era sempre assim que acontecia: diante da proximidade da luta, ele logo pedia a sua camisa vermelha. Até que, certo dia, um dos seus teve a coragem de perguntar-lhe sobre isto, ouvindo do desassombrado "Barba Negra" a seguinte explicação:
       — Uso esta camisa em combate porque, se por acaso eu for ferido, meus homens não perceberão o sangue a me empapar a roupa. E assim, não perderão o ânimo e nem o ímpeto da batalha!
       Logo a explicação se espalhou entre os piratas do navio, o que só fez aumentar a fama da bravura, da fibra e da coragem do seu comandante. Portanto, quando o homem da gávea gritava lá do alto que avistara um navio inglês ou um galeão espanhol se aproximando, o Capitão "Barba Negra", mandava que todos se preparassem para a abordagem e, como de costume, arrematava gritando: "tragam a minha camisa vermelha!". O que enchia os seus homens de segurança e entusiasmo.
                   Até que, no começo da tarde de um dia meio enevoado, o tripulante de serviço na cesta do mastro principal apurou a vista e gritou lá para baixo:
       — Navio de bandeira inglesa se aproximando a bombordo!
       O Capitão dos piratas expediu os comandos de sempre e já ia pedindo a sua camisa vermelha, quando o homem da gávea, vislumbrando melhor, corrigiu a informação, gritando, em sequência:
       — Na verdade, são dois navios a bombordo e dois a estibordo... Não, são quatro navios vindo de cada lado... São oito navios ingleses... Contando melhor, são dez! Acho que é uma esquadra inglesa completa!
       Foi quando o "Barba Negra" dispensou a camisa vermelha que um grumete já lhe trazia e gritou uma nova ordem:
       — Tragam a minha calça marrom!!!
       Foi quando, finalmente, a sua tripulação se deu conta de que o capitão da camisa vermelha não era valente coisa nenhuma. Era só um covarde, que atacava os navegantes mais fracos ou indefesos, mas também se borrava todo, quando encontrava, pela proa, alguém mais forte e bem armado do que ele.

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