Crônica da semana/MADAME MOEMA


Wagner Fontenelle Pessôa                          

Se existe um "bordão" que, na prática, qualquer um de nós já experimentou alguma vez, é aquele segundo o qual "eu perco o amigo, mas não perco a piada". Porque, é claro, não estamos nos referindo, neste caso, aos amigos, no sentido mais restrito da palavra. Isto só vale para aqueles "amigos" (assim, entre aspas) que jamais passarão da categoria de meros conhecidos ou colegas de trabalho, com quem nos relacionamos amigavelmente, mas que, também, não chegam a fazer falta em nossa vida, se, ofendidos pela piada, deixarem de apreciar a nossa presença e companhia.
       Devo confessar que eu mesmo já tive a oportunidade de conviver com aquela "indiferença estudada" de alguns — conhecidos do ambiente de trabalho ou do meio acadêmico — por força da minha incorrigível incontinência verbal e do péssimo hábito que tenho de rir daquilo que é risível, mesmo que, ao meu interlocutor, isto possa não parecer tão divertido. Mas considere o distinto leitor se, realmente, não me assiste alguma razão. Se o sujeito "paga um mico" na minha frente ou se me conta sobre algum que pagou, não é compreensível que eu me divirta com isto? Então, por que iria se ofender?
       Lembro deste assunto a propósito de um desses, colega de magistério no curso de Direito em uma universidade, em que ambos trabalhamos. O cidadão era um desses tipos longilíneos, moreno alto e magro, que possuía uma voz meio rouca e tomava uma "rama" de fazer inveja ao próprio Lula. Era simpático, falante e adorava um papo, sobretudo, quando lhe retardava a ida para a sala de aula.
       Pois, certo dia, durante um intervalo, um grupo do curso de Direito, não me lembro bem como foi que o assunto começou, ficou conversando na sala dos professores sobre quantas pessoas existem que levam a sério esses horóscopos de jornais e revistas. E sobre as que nem saem de casa sem, antes, consultarem as previsões para o seu signo, como se aquilo pudesse ser levado a sério.
       Contei que eu mesmo presenciara, na redação de um jornal, no qual mantive uma coluna durante algum tempo, como é que aquelas predições eram preparadas. Antes de se fechar a edição, na hora do cafezinho os jornalistas, que, noutros espaços do periódico, escreviam sobre política, economia, esportes ou faziam a coluna de polícia, disputavam uma partida do conhecido jogo de palitinhos. E quem perdesse, era obrigado a predizer o futuro dos leitores, para o dia seguinte. Porque escrever aquilo era uma tarefa prá lá de maçante, que a ninguém agradava.
       A conversa ia por aí, quando o relógio marcou o horário de voltarem os professores para a sala de aula, menos os que, como eu, que já estavam terminando o seu turno de trabalho. Foi, então, que o tal professor, para esticar um pouco mais o intervalo, contou-me que, durante uns dois anos, para completar o seu orçamento, escrevera o horóscopo para um jornal do Rio de Janeiro. E, não sei por qual razão, ocorreu-me perguntar-lhe se ele tivera a coragem de usar o seu próprio nome para publicar a tal coluna das prestidigitações. Foi quando ele me respondeu:
       — É claro que não! Eu usava o pseudônimo de "Madame Moema"!
       Antes ele não houvesse me contado aquilo! Porque além de rir durante um bom tempo, nunca mais consegui olhar para ele sem imaginá-lo metido num traje de "mãe de santo", com um turbante na cabeça e prevendo a sorte dos incautos. E, por considerá-la inusitada, dividi a história com mais alguns colegas, que, a seu turno, também a contaram para outros. Coisa que só vim a descobrir algum tempo depois.
       Deu-se que, certa vez, estando a sala dos professores repleta de gente, num daqueles dias espremidos entre um feriado e um final de semana, eis que, de repente, adentra o recinto aquele "varapau", professor de Filosofia do Direito. Não foi algo que eu houvesse pensado para dizer, mas, quando me dei conta, já havia dito:
       — Fala aí, Madame Moema! Hoje eu terei ou não terei sorte no amor?
       A sala dos professores se abriu, inteira, numa gargalhada estrondosa. Foi só quando percebi que muito mais gente já tomara conhecimento da história. Ele me fuzilou com olhar, como se diz. E, com aquela voz de "pato rouco", registrou a sua irritação com a brincadeira:
       — Qual é a sua, professor? Você está a fim de me levar ao ridículo?
       Tentei me desculpar, mas já estava na casa do "sem jeito". E, por causa disto, ficou sendo aquela a última vez que a "Madame Moema" me dirigiu a palavra.

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