Crônica da semana-O MEU MAIOR DESEJO

Wagner Fontenelle Pessôa                                        
Há uma característica perceptível em determinadas sociedades — como a inglesa e a norte-americana, por exemplo — que não parece ser típica dos brasileiros: é o ufanismo pelo seu país. O orgulho de seu torrão natal, o entusiasmo por haver nascido aqui e aquela intensa sensação de pertencimento até ocorrem entre os que nascem no Brasil; mas não é algo que caracterize a maioria da população. Exceto, como se percebe, quando estamos diante de uma competição esportiva internacional.
            Nos jogos das nossas seleções, de voleibol, de basquete e, principalmente, das de futebol, os espectadores de cá se mobilizam, vestidos de verde, amarelo, azul e branco, para torcer e vibrar (quando houver motivo) ou para sofrer e chorar (quando necessário). Como se a vitória ou derrota num desses torneios fosse capaz de nos afetar em algo, além do nosso amor próprio.
            O fato, porém, é que isto não é, em termos precisos, uma demonstração de patriotismo, de amor pelo nosso país. Trata-se, como em tantas outras oportunidades, de uma espécie de "torcida organizada", na qual, em lugar da camisa do seu clube predileto, todos se vestem com as cores do selecionado nacional. Como é fácil de se perceber e constatar.
            Esse entusiasmo cívico, nas competições em que o Brasil esteja representado, de maneira expressiva, só ocorre em relação a alguns esportes coletivos, como os que foram mencionados ao início destas notas e ainda alguns outros. Quanto aos demais, sobretudo quanto aos chamados esportes individuais, a "torcida nacional" fica por conta dos entusiastas de cada modalidade. Porque tudo não passa, como dito, de uma questão de preferência.
            Contudo, essa vibração que se vê pelas ruas e irmana os brasileiros, em relação a alguns esportes, não se reproduz noutros assuntos de interesse desta sociedade verde e amarela. Exceto, em algumas situações especialíssimas, como a que temos vivido, nos últimos tempos, em relação ao impeachment de uma presidente da República. E, mesmo que haja uma parcela de engajados no debate dos grandes temas de interesse coletivo, eu me arrisco a dizer que a maioria do nosso povo vive apartado de muitas coisas importantes que lhe dizem respeito. Por desinformação, por desânimo ou puro desinteresse.
            O brasileiro é aquele tipo que prefere reclamar a agir; criticar a enfrentar; que opta pela vileza da maledicência em lugar da contundência dos argumentos. Porque construir um argumento para a defesa de um princípio ou convicção é algo trabalhoso. E, por aqui, muita gente prefere o bate-boca, a baixaria e a injúria do que o confronto das ideias.
            Mas o que resta de bom, nesse jeito brasileiro — de não levar muito a sério as coisas de seu país — é a forma bem humorada com que tratamos as mazelas que nos afligem. Porque isto, se não resolve os nossos problemas, pelo menos nos diverte e torna mais leve a carga que temos de suportar, por havermos nascido nesta terra, por vezes, surrealista.
            E foi por isto que, certa vez, no intervalo de uma tal "Conferência Internacional de Energia Renovável e Estocagem do Vento", sentaram-se à mesa de um restaurante um norte-americano, um russo e um brasileiro que participavam do evento. E, enquanto faziam sua refeição, falavam de seus respectivos países, até que o assunto desaguou no perigoso terreno do sentimento patriótico de cada um deles. Provocado pelo representante da Rússia, o representante dos Estados Unidos disse, de forma simbólica e tomado de perceptível orgulho pelo seu próprio país:
            — Minha verdadeira mãe é a minha pátria. Meu pai, é o presidente daquele glorioso país. E o meu grande sonho é ver a mãe, conduzida e orientada pelas mãos firmes, dignas e seguras do pai, ocupando o lugar que lhe cabe por merecimento, de líder absoluto no concerto das nações!
            O russo tomou aquilo como uma espécie de desafio e não deixou por menos:
            — Que coincidência! Pois também considero que a minha verdadeira mãe, a quem todos devemos tudo, é a "grande mãe Rússia". Aquele a quem considero o verdadeiro pai de todos nós, é o presidente Vladimir Putin. E o meu maior desejo é o de que o pai da nossa grande nação, com o seu conhecido destemor, competência e espírito combativo, garanta e proteja o mundo contra o domínio e a espoliação estadunidense! 
            E como parecesse a ambos que o tema se esgotaria nessas duas únicas declarações de exaltado patriotismo, porque o seu parceiro de mesa permanecia calado, o russo e o norte-americano olharam para ele e lhe perguntaram:
            — E você, brasileiro? A quem considera como sendo o seu pai? A quem você reconhece como sua verdadeira mãe? E qual é o seu maior desejo?
            O tipo fez aquela cara de quem iria tocar num assunto desagradável e respondeu, tentando manter a calma:
            — Bem... Meu pai é o Lula, que já foi o presidente do Brasil e continuou a mandar no governo, através daquela que o sucedeu no cargo. Minha mãe é uma tal de Dilma Rousseff, que acaba de receber uma notificação de despejo do Senado Federal.
            E completou, elevando o tom da voz e já sem conseguir disfarçar a sua irritação e o próprio constrangimento:
            — O meu maior desejo? É SER ÓRFÃO DE PAI E MÃE!

            Ao meu ver, esta não deixa de ser uma boa forma de explicar o sentimento daqueles que amam este país, independente de partidos, facções ou de quem os represente.

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