Crônica da semana / PÊSAMES E PARABÉNS

O meu bisavô João Vieira, pelo lado da minha avó materna, era um pequeno farmacêutico no interior do Maranhão, lá pelos idos de mil, novecentos e antigamente. Ou de mil, oitocentos e tantos. Porque, embora eu não saiba ao certo quando foi que aconteceu, pela data de nascimento da minha mãe e dos meus tios, o mais provável é que isto tenha ocorrido ali pelo final do século XIX.
            Explicando melhor, ele não era, propriamente, um farmacêutico perdido naquele fim de mundo. Como esses fatos se passaram há tanto tempo, penso que, na verdade,  talvez fosse, apenas, o dono da pequena e única farmácia do lugar. E naquele tempo, todo dono de farmácia do interior, pelas necessidades da população e pela falta de um médico na cidadezinha, acabava sendo conhecido e reconhecido como farmacêutico, sem que o fosse.
            Mais do que isto — o que também era comum — o farmacêutico acabava atuando
como enfermeiro ou como médico, na medida das suas limitações e do tamanho da urgência. Prescrevia remédios para os males de menor complexidade, fazia pequenas suturas, imobilizava braços, pernas e dedos quebrados, e, de vez em quando, ajudava a parteira do lugar nos nascimentos mais complicados.
            Com esse desempenho de acentuada importância num lugar tão sem recursos, o "farmacêutico" (ainda que fosse só o dono de uma farmácia) acabava sendo uma pessoa altamente considerada, que granjeava a simpatia e se tornava alvo da gratidão dos moradores da cidade. E isto resultava numa penca de afilhados. Porque essa gente humilde tem por hábito fazer dessas gentilezas, como homenagem.
            Pois o meu bisavô, ao longo de seu tempo naquele interior maranhense, colecionou um bocado deles. De tal sorte que, quando um dia se foi deste mundo para algum lugar que nem imagino, a minha avó — que era dezoito anos mais nova do que ele — após o enterro do marido e durante muitos dias, foi alvo das visitas de vários daqueles afilhados, que foram levar à madrinha a sua manifestação de solidariedade.
            Era um sucessão de crianças e adolescentes, além de alguns já adultos, batizados pelo falecido antes do seu casamento coma minha bisavó. Iam chegando aos poucos e apresentando o seu pesar à viúva enlutada. Um ritual ao qual ninguém poderia escapar, ainda mais, num lugar pequeno como aquele. E tudo ia caminhando desse jeito, até que, numa tarde, apareceu em sua porta, para a visita de pêsames, uma afilhada do casal, que devia estar, aí, pela casa dos oito anos de idade.
            Tratava-se de uma pretinha, dessas bem pretinhas, que fora produzida com muito apuro, para levar sua solidariedade até a madrinha: vestido branco, com uns bordados e rendas e o cabelo arrumado, com um laço de fita. Certamente, havia sido preparada pela mãe para o que deveria dizer, naquele ritual previsível:
            — Você chega lá e toma a bênção. Ela lhe abençoa e, aí, você diz "meus pêsames". Sua madrinha vai dizer "muito obrigado" e você responde: "não há de quê".
            A menina deu-se por entendida e foi despachada para a visita à viúva recente. Chegou, bateu palmas e, quando a enlutada abriu a porta, a afilhada disparou, de uma vez só e sem dar tempo para que a dona da casa respondesse coisa alguma:
            — Benção, minha madrinha. Meus pêsames, meus parabéns, muito obrigado, não há de quê!
            A minha bisavó que era uma pessoa muito engraçada e que tinha uma capacidade de improviso admirável, pelo que dela sabemos, respondeu "de voleio", com aquele jeito característico de falar dos maranhenses:
            — Pronto, pequena... Tu não me deixaste nada para dizer!
            Até hoje seus descendentes, que somos nós, rimos dessa e de outras histórias e tiradas dela. E quando algum atropela a história que outro está contando — prática, aliás, muito comum em todas as reuniões de família — há sempre o risco de ouvir:
            — Meus pêsames, meus parabéns, muito obrigado e não há de quê...

            E todos sabem do que se está falando.

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