Crônica da semana: O PROSELITISMO DOS QUE GOVERNAM

Wagner Fontenelle Pessôa                               
A situação anda tão confusa neste nosso país — e em todos os sentidos — que, a cada dia, somos surpreendidos por um novo despropósito da lavra dos governantes, dos políticos e, até mesmo, de alguns membros do Poder Judiciário. Nunca antes foi tão apropriado e atual, entre nós, aquela velha máxima segundo a qual "nada é tão ruim, que não possa ser ainda piorado".
            De vez em quando, somos tentados a pensar que esse bando de quadrilheiros que se acoitam no Congresso Nacional, tangidos pela severidade da Operação Lava Jato e outras operações afins, está "enfiando a viola no saco" e se recolhendo à ratoeira, para não chamar muita atenção sobre si. Aí surge, na calada da noite, um projeto, que o presidente da Câmara ou do Senado, tentam fazer votar em "regime de urgência", para blindar os larápios das duas casas, atolados até o pescoço na lama da corrupção desenfreada.
            Só para lembrar os casos mais recentes, houve a tentativa de se intimidar os procuradores e juízes, com aquele projeto que enquadraria uns e outros, além dos policiais federais participantes das investigações, no crime de abuso de autoridade. Houve a tentativa de anistiar políticos e partidos pelo uso do Caixa 2, utilizado à larga, nas última campanhas eleitorais do país. E houve, por último, o descarado projeto do senador Romero Jucá, objetivando garantir o tal do "foro privilegiado" aos políticos, por todos os crimes, inclusive os cometidos antes e fora do exercício dos mandatos.
            Tais projetos, assim como outros, tiveram o propósito de "blindar" suas excelências, inclusive seus próprios autores, quanto aos crimes que cometeram, nos processos em que foram denunciados ou operações em que são investigados. E suas tentativas só não deram certo até agora, porque a mídia está atenta, a sociedade está alerta e, através da imprensa ou das redes sociais, estão sendo denunciados todos os esforços desses marginais, de se livrarem, sem consequências, de tudo quando já fizeram de mal contra esta sociedade.
            Mesmo assim, com decisões estranhíssimas e sentenças discutíveis por parte de
alguns juízes ou tribunais, de vez em quando os brasileiros se sentem postos diante de circunstâncias surrealistas. Como esta em que o STF criou um precedente de que os internos do sistema carcerário devam ser indenizados, se mantidos em condições inadequadas, consideradas desumanas, durante o cumprimento da pena. Mas, esperem! E quem é que indeniza as vítimas desses prisioneiros, que foram a razão de ser da sua condenação à masmorra?
            A Maria da Penha, aquela que empresta o seu nome à lei com que se tenta, sem muito sucesso, enfrentar a violência doméstica no Brasil, levou quase vinte anos, aguardando pelo resultado de uma ação que moveu contra o Estado. Porque, mesmo tendo solicitado medidas protetivas contra o marido, que a agredia sistematicamente, acabou sofrendo duas tentativas de homicídio por parte dele. E, numa dessas, terminou paraplégica, sem jamais haver recebido as tais medidas protetivas.
            Recebeu uma indenização, depois de toda a sua luta, de apenas 60 mil reais, que, talvez, sejam suficientes para comprar-lhe uma cadeira de rodas, dessas com alguns recursos que lhe possam garantir um pouco mais de autonomia. E as centenas de milhares ou milhões de pessoas que são tratadas pelo Estado de maneira desumana, em decorrência do acintoso sistema de saúde pública que é oferecido à população, mesmo que trabalhe e pague impostos? Além disso, como serão indenizados os passageiros, humilhados e desrespeitados, no seu ir e vir pelo sistema de transportes coletivos?
            E aqueles brasileiros, achacados e acachapados a cada dia, pela falta de segurança nas ruas e em suas casas? E aí, os doutos membros do STF não irão determinar que sejam indenizados também? A Ordem dos Advogados do Brasil não irá gritar pelos direitos humanos dos cidadãos de bem? Os poderes constituídos continuarão a discutir os referenciais éticos, para determinar se a sociedade tem o dever de indenizar, quando presos se amotinam e, por uma disputa de poder, os membros de uma facção criminosa executam os membros da outra, nas celas e corredores dos presídios?
            Então, respondam primeiro: quem indenizará a sociedade, pelos políticos e governantes que metem a "mão grande" nos recursos que o Estado arrecada da população, sob a forma de pesados impostos e que nada sofrem? Quem compensará a sociedade pelos sacrifícios aos quais é chamada a submeter-se, enquanto administradores públicos, políticos e magistrados continuam a ter, além de altos salários, mordomias injustificáveis?

            Não deve a sociedade reconhecer qualquer sentido em benefícios concedidos aos que violam a lei, quando os que a cumprem continuam a ser penalizados, pelo proselitismo dos que nos governam.  

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