Crônica da semana: UMA AJUDA DESGRAÇADA

Wagner Fontenelle Pessôa
Faz ponto na área meu condomínio uma figura querida por todos, que se incumbe de lavar os carros daqueles que não acham nem um pouco divertido dar-se ao trabalho de limpar e polir seus respectivos automóveis. Empunhando balde, esponja, flanela e demais instrumentos ou produtos usados na inglória tarefa, há quem sinta prazer com essa nada divertida função. Mas eu, particularmente, prefiro pagar e ter quem cuide disso por mim.
            Pois aqui onde resido, quem trata disso é um negro simpático e sempre sorridente, do qual poucos devem saber o nome, cuja tonalidade da pele explica o apelido que o identifica e ao qual atende. Um apelido com o qual ele mesmo se apresenta para qualquer novo conhecido, que lhe pergunte a graça. Porque, de fato, tem a tonalidade e o brilho do óleo bruto:
            — O meu nome é Azul...
            Há muitos anos ele foi empregado do condomínio. Até que, pedalando em direção ao trabalho, conseguiu a proeza de meter-se na frente de um carro e ser atropelado. Ficou com uma ligeira diferença entre uma perna e outra, o que lhe valeu um manquejado e uma aposentadoria por invalidez. Mas, recuperado, passou a frequentar o antigo local em que trabalhava e acabou se estabelecendo como lavador de carros, a serviço dos condôminos.
            Uma a duas vezes por semana — dependendo do quanto eu tenha viajado ou vá viajar — o Azul lava o meu carro também. Isto é, desde que não esteja chovendo, porque aí seria um desperdício de dinheiro. Por isto, sabendo os dias em que vou pegar a estrada, ele interfona, avisando que está subindo para apanhar a chave. Invariavelmente, eu lhe pergunto, às vezes sem me dar ao trabalho de olhar através das persianas:
            — Mas não está chovendo, Azul? Porque, se estiver, não adianta!
            Ele me garante que não; que o dia está até ensolarado. Mas desconfio que o Azul me enrola um pouco porque, de vez em quando, ao chegar lá embaixo, já na hora de sair, vejo que está caindo uma chuva! Reclamo e ele se explica:
            — Mas na hora que eu lavei o seu carro estava fazendo o maior sol!
            Finjo acreditar na desculpa, porque, afinal de contas, os dias chuvosos são aqueles em que pouco aparece serviço para um lavador de carros. Além do que ele precisa mesmo de faturar alguma coisa a cada dia, que lhe permita tentar a sorte na “zooteca”. É viciadíssimo num “jogo do bicho” e chovendo ou fazendo sol, diariamente ele tem “um particular” com o cambista! Trata-se de um tipo muito prestativo e, exatamente por ser assim, foi que, num dia desses, me causou um problema e quase me causava um prejuízo também.
            Desci do apartamento, pronto para uma viagem, quando o Azul, que conversava com o porteiro, se ofereceu para levar a minha mala ao estacionamento. Aceitei a cortesia e fui conversando com ele até onde estava o meu carro. Destravei as portas e enquanto ele levava minha mala na direção do bagageiro, acomodei a minha pasta e um casaco que trazia num cabide. Um vizinho que passava me perguntou alguma coisa, que respondi, até que o Azul me disse:
            — Pronto, a mala já está lá atrás!
            Agradeci entrei no carro e parti para a estrada. Cheguei ao meu destino, cuidei do que estava agendado para aquele dia e, quando já passava das 18 horas, finalmente, entrei no estacionamento do hotel. Abri o porta-malas, para descobrir, com desagradável surpresa, que a minha não se encontrava no carro! Na verdade, o simpático lavador, ao me dizer “a mala já está lá atrás” estava me dizendo é que deixara a mala no chão, para que eu a guardasse no bagageiro.
            Dispensei o hotel e tomei a estrada de volta para casa, acreditando que eu poderia ter perdido a minha bagagem e tudo o que havia dentro dela; inclusive um computador e um tablet. E ainda tendo que refazer todo o percurso no dia seguinte, indo e voltando outra vez. Mas só quando cheguei foi que descobri que a minha bagagem havia sido encontrada — pelo próprio Azul — e entregue ao porteiro do dia.
            E isso fez morrer em mim aquela vontade, que me acompanhou na viagem de volta, de estrangular o Azul, dando por encerrada a sua carreira de lavador oficial de carros no condomínio. Afinal de contas, o tipo é gente muito boa. Mas aquilo é que foi uma ajuda desgraçada de ruim!
            

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