EDITORIAL DA SEMANA / Um zumbi na Casa do Espanto
“Não acredito”, bradou aos céus o deputado Natan Donadon,
caindo de joelhos em patética pantomima, quando viu no placar da Câmara 131
votos a favor, 41 abstenções e 108 bem-vindas ausências, que mantinham o seu
mandato e o consagravam como o primeiro deputado-presidiário da nossa história.
Que ronco das ruas que nada, eles não ouvem e não têm medo, e mais uma vez
votaram, ou fugiram, em causa própria, porque também acumulam processos na
Justiça e podem ser o Donadon de amanhã.
“Não a-cre-di-to” digo eu, dizemos nós, diante da cena
inacreditável, mas quando se trata dos 300 picaretas que Luiz Inácio falou
deve-se acreditar em tudo, porque de tudo eles são capazes. Nunca na história
deste país houve um deputado-detento, mas Lula agora diz que fica puto quando
falam mal de políticos.
Zoologicamente é fácil identificá-los: andam em bandos, têm
pelagem acaju, negro graúna ou raposa prateada, alimentam-se de verbas públicas
e são pacíficos e afáveis, condição necessária para seus golpes e tramoias, mas
quando ameaçados podem se tornar hostis e violentos em defesa dos privilégios e
impunidades do bando. Seu habitat natural é a Câmara dos Deputados.
Donadon é o símbolo máximo do ponto mais baixo de uma
instituição que existe para dar voz e poder aos representantes dos eleitores,
mas, unindo o espírito de corpo ao espírito de porco, não hesita em se
solidarizar com um condenado pelo STF, que teve amplo direito de defesa e usou
todos os recursos e chicanas para retardar o processo.
Aprendi com meu pai que é covardia tripudiar sobre os
caídos, que a compaixão beneficia mais quem se compadece do que ao compadecido,
que perdoar é mais leve do que carregar o saco do rancor e do ressentimento.
Mas no caso desse picareta foram ele e seus colegas de trabalho que tripudiaram
sobre todos os cidadãos honestos e as instituições democráticas.
E também sobre os presidiários. Reclamando da comida, da
falta de água, das algemas, do camburão “escuro como um caixão”, viveu a
realidade diária dos presos brasileiros, a maioria por crimes menores que os
dele, que prejudicaram toda a sociedade.
“Donadon é o símbolo máximo do ponto mais baixo de uma
instituição que, unindo o espírito de corpo ao espírito de porco, não hesita em
se solidarizar com um condenado”.
Nelson Motta
Públicado em 30/08 no jornal O GLOBO
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