EU GOSTO É DE RESPEITO!

Wagner Fontenelle Pessôa
Tenho umas boas lembranças dos meus tempos de Liceu, em Cachoeiro de Itapemirim (ES), onde havia uns tipos inesquecíveis. Havia um professor de Latim — o Professor Pacheco — que, no começo de um ano letivo, entrou numa sala de 1ª Série, no primeiro dia de aula e, imaginando que se encontrava numa turma mais adiantada, resolveu verificar qual era o nível de conhecimento dos alunos, naquela disciplina, que eles nunca haviam estudado. 
Foi chamando pelo diário de classe, por ordem alfabética, e mandando a sabatina no povo. Perguntou sobre declinações e verbos à vontade para, no final, diante da timidez e estupefação dos calouros, concluir: “Este é o resultado! Não estudaram durante as férias!”

Tinha, também, o Professor Gilceu, de Matemática, que ameaçava “tirar leite da cabeça” dos alunos que não se saíssem bem na disciplina. Traduzindo para a pedagogia de então, isto significava que o desafortunado levaria uns bons cascudos pelo insucesso. Mas, no final do ano, passava as férias dando aulas particulares, para que o malsucedido fizesse a 2ª Época. E não cobrava nada por isto.

Minhas aulas de Francês eram com o Professor William Bermudes (tio do, hoje, laureado jurista Sérgio Bermudes), que, numa ocasião, colocou-me para fora da sala porque, distraidamente, eu explodi, durante o seu horário, um saco de pipocas vazio, que trouxera do recreio. Acho que a minha expulsão foi mais pelo susto que ele tomou, do que por eu ter feito alguma coisa realmente grave. 
Levei três dias de “gancho”, só por conta disto! Mas, como não havia Conselho Tutelar naquele tempo, tive de cumprir a suspensão escondido no cemitério, que ficava na rua de trás do Liceu. Para não levar uma "escovada" em casa, porque também não havia, ainda, a tal "lei da palmada". Bons tempos, para se educar um filho e pô-lo no bom caminho!

Além desses, nós tínhamos outros professores que devem estar guardados na memória de muitas gerações, antes e depois da minha: o Professor Eliezer (também de Matemática), que queria, a toda força, que fôssemos estudar engenharia; o Professor Deusdedit (que lecionava Inglês e mais parecia um súdito da rainha)... E, dentre tantos outros, Dona Martha (de Português), que foi a musa inspiradora de todos nós. 
Estou absolutamente seguro de que, em parte, devo a ela o gosto e o hábito que tenho de escrever. Além do mais, duvido que qualquer dos seus alunos, todos adolescentes — em algum momento — não tenha estado perdidamente apaixonado pela linda mulher que aquela professora era. 

Do lado de fora das salas, estavam os inspetores ou bedéis, como era costume chamá-los naquele tempo. Uns mais e outros menos rigorosos com a disciplina. Muitos poderiam ser citados aqui, por suas histórias também engraçadas, mas estou lembrando de um, em particular. Era o Ubirajara, inicialmente chamado pelos alunos de Bibi e, depois, quando passou a fumar com uma piteira — que lhe caía absolutamente ridícula — ganhou deles o jocoso apelido de Bibi Piteira.
Pois o Bibi Piteira andava empertigado, metido no seu uniforme de bedel e nos falava, numas vezes, em tom paternal; noutras, como se fosse um oficial expedindo ordens de comando. Não era mau sujeito, mas também não nos deixava esquecer de quem era a autoridade no caso.
Mas como aluno é um bichinho confiado e sem respeito, houve uma ocasião em que, no meio de uma confusão qualquer — acho que um tumulto desses na hora da entrada ou da saída — um aluno falou, lá do meio da turma:
— Peraí, Bibi Piteira...
O homem ficou passado. E nós também, porque o apelido era usado por nós, mas, apenas, entre os colegas. Certamente ele sabia da brincadeira, mas ninguém tinha a coragem de chamá-lo abertamente deste jeito. 
Foi um silêncio geral. Ele olhou muito sério para a classe, ajeitou a gravata e tascou: 
— Bibi, não! “Seo” Bibi, está claro?! Porque eu gosto é de respeito!

Um comentário

Anônimo disse...

BOM esse editorial, estou curtindo muito.