O MERITÍSSIMO ESTAVA COM A RAZÃO

Wagner Fontenelle Pessôa                           

    Um colega advogado contou-me uma história, de um processo, no qual atuou como profissional, no interior do Paraná, que, sendo inteiramente verdadeira — do que eu não tenho nenhum motivo para duvidar — haverá de ter sido hilária.
  
                         Fazendo uma verificação numa empresa de clientes seus, a Receita Federal encontrou, por lá, uns equipamentos de origem estrangeira, cujas notas fiscais de importação, por desorganização ou por qualquer outro motivo, solicitadas pelos auditores do Tesouro Nacional, não puderam ser apresentadas a eles.
             Recurso prá lá, prazo prá cá, a Delegacia da Receita naquela área acabou determinando, por Portaria, o “perdimento dos bens”, que totalizavam, segundo a avaliação dos próprios auditores, algo em torno de uns quinze mil reais.
             Mas como a situação, independente do valor envolvido, configurava o crime de contrabando ou descaminho, a DRF no Paraná comunicou o fato ao Ministério Público Federal naquela comarca e o Procurador, sem muito interesse no caso, apresentou a denúncia à Justiça, para que os responsáveis fossem processados e punidos.
             Num país onde os poucos "mensaleiros" condenados entram e saem da cadeia como heróis, sem que ninguém pareça muito preocupado em punir os responsáveis, uma coisa dessas não podia “passar em branco”, né? Afinal de contas, quinze mil reais são quinze mil reais. Mesmo depois que a empresa já perdera as mercadorias.
             E assim, o Procurador da República, provocado pela Receita Federal, tinha de agir, embora não estivesse com a mínima disposição para isto. Então, para facilitar o seu trabalho, denunciou todos os sócios da empresa num bloco só, sem se importar se alguns eram só investidores ou se outros tinham participação na administração da mesma.
             “Mandou chumbo” na moçada toda, sem tipificar aquilo que se chama, em Direito Penal, de a conduta criminosa de cada um deles. Cá prá nós, uma “titica” de denúncia, ou denúncia inepta, como dizem os especialistas; isto é, sem os requisitos legais necessários para levar os denunciados a uma condenação.
             Aproveitando-se da lambança que o procurador fez na denúncia, os réus fizeram suas defesas, insinuando que a compra daqueles equipamentos havia sido feita na época em que administrava a empresa um gerente contratado. O qual havia, posteriormente vindo a falecer num acidente de carro. Pois, como é sabido, “morto não pode se defender”. E nem precisa!
             O juiz, embora irritadíssimo, teve de absolver a totalidade dos réus no processo, menos pela tese mirabolante de que a culpa seria do falecido e mais porque as imperfeições, na formulação da denúncia, impossibilitariam qualquer condenação. Mesmo assim, não se privou de ironizá-los na sentença, observando:
             “Talvez não se possa provar a culpa de nenhum dos acusados pelo delito de descaminho; mas entendo que deveriam ser investigados pelo crime de vilipêndio a cadáver. Porque percebo que, todos, estão querendo "botar" no morto!”
             E o meritíssimo estava coberto de razão!     

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