O DONO DO CIRCO
Wagner Fontenelle
Pessôa
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A História e a Sociologia talvez expliquem
o que faz, dos nordestinos, pessoas tão religiosas e tão místicas. Mas, afora a
circunstância de as coisas por lá serem assim, isto não vem ao caso agora. O
que vem ao caso é o fato de que graças a esse misticismo e devoção, as festas
religiosas têm, no Nordeste brasileiro, uma importância singular; uma
relevância ímpar. Sobretudo aquelas que estão associadas com determinados
santos da igreja, que merecem especial fervor dos esperançosos e padecentes.
As
festas juninas, por exemplo, têm mais importância para o sertanejo — e até para
o povo das grande cidades — do que o próprio Natal. Que os festejos de São
João, Santo Antônio e São Pedro, para aquele povo, são comemorações de máximo significado!
A Semana Santa, também! É um período
em que os devotos se lançam em romarias a determinados destinos, onde a
"Paixão de Cristo" é encenada, não sendo raro que os assistentes e
penitentes, por necessidade do "teatro a céu aberto", acabem se
transformando em figurantes da magistral representação, como se não fossem
filhos de Caruaru (PE), Senhor do Bonfim (BA), Crato (CE) e Souza (PB), mas da
própria Israel.
Pois
deu-se que o dono de um desses circos mambembes, passando por uma cidadezinha
da Paraíba, justamente nessa época do ano, e sabendo o quanto aquela comunidade
era religiosa, resolveu encenar a "Paixão de Cristo" na Sexta Feira
Santa. O elenco foi escolhido entre os moradores locais e, para o papel
principal, puseram o sujeito mais "pintoso" da cidade, considerado
pelas meninas como o "gato" do lugar.
Os ensaios iam correndo bem, quando,
já às vésperas da encenação, o dono do circo soube que o "Jesus" da
peça estava de caso com a sua mulher. Furioso, o corno compreendeu que, nem
poderia fazer um escândalo com aquilo, porque acabaria perdendo todo o trabalho
e o investimento que fizera, para montar a peça. Assim, na véspera do
espetáculo, comunicou ao elenco que também iria participar da encenação, no
papel de um "centurião".
—
Mas de que jeito?! Você nem ensaiou! - protestaram os demais atores.
—
E nem precisava! Centurião não fala nada... Esclareceu o dono do circo.
E
assim, no momento crucial espetáculo, com o "Cristo" carregando a
cruz, o "centurião" começou a mandar-lhe o chicote no lombo, de forma
verdadeira e vigorosa.
—
Oxente! Tá me machucando! - reclamou, em voz baixa, o ator que fazia as vezes
de "Jesus", na peça.
—
É para dar mais realismo à cena! - Justificou o "centurião", enquanto
aumentava o ritmo e a força das chicotadas. Até que "Jesus",
enfurecido, depois de reclamar várias vezes sem resultado, largou a cruz no
chão, puxou uma peixeira que trazia por baixo das vestes e partiu para cima do
"soldado romano":
—
Vem cá, "desinfeliz"! Vem cá, que eu vou lhe ensinar a não bater num
indefeso!
Era
o "centurião" correndo na frente e "Cristo" atrás, de
peixeira em punho, com a plateia delirando e aos gritos:
—
É isso aí, "Jesus"! Fura ele! Fura ele, que isso aqui é a Paraíba,
não é Jerusalém, não! E aqui, ninguém maltrata o filho de Deus!
E
ficou sendo esta a última vez que o dono daquele circo pensou em representar a
"Paixão de Cristo" no agreste nordestino.
4 comentários
Uma delícia de história, com o autêntico sabor do nordeste!... Amei
Claudia Otoch • Via face: Maravilha de história. Quem conhece o Nordeste sabe que tem tudo para ser verdadeira!... Risos...
Hilda Maria •via face :Sensacional !
Muito boa essa.
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