POR UM SIMPLES ERRO DE IMPRENSA

Wagner Fontenelle Pessôa 
       Tenho boas e divertidas lembranças dos tempos em que fui aluno da Universidade Federal do Ceará. Apesar desta época coincidir com a fase mais violenta da ditadura de 1964, os chamados “anos de chumbo”, que vitimaram de modo especial os estudantes deste país.

            Mas como eu nunca fui engajado em nenhum desses movimentos organizados de oposição, embora não sentisse qualquer entusiasmo pelo fato de estarmos numa sociedade subjugada pela bota de um regime militar, o que me ficou marcado, como lembrança mais forte dessa época, foi o lado lúdico da vida universitária.
            O Conselho Departamental da Faculdade de Direito, onde eu estudava, era dividido, também por razões ideológicas, entre aqueles que torciam pelo regime e os que a ele se opunham. De uma forma geral, nós, os alunos, nos entrosávamos mais com os professores que se opunham do que com os que eram favoráveis à ditadura militar. E vibrávamos com os embates que, freqüentemente — e a propósito de qualquer coisa — os representantes desses dois grupos travavam entre si.
            Mas nenhum desses “enfrentamentos” foi tão divertido para os acadêmicos da minha geração, como aquele que travaram dois catedráticos da minha Faculdade, durante meses, não só no âmbito do Conselho Departamental, como fora de lá, visto que cada um deles mantinha uma coluna semanal num jornal de grande circulação em Fortaleza.
            O Professor Heribaldo Costa, que escrevia para O Povo, era um desses tipos assumidamente reacionários, defensor de todos os desmandos que os militares pudessem ter praticado ou viessem a praticar no exercício do poder. Era um profissional dotado de uma inteligência incomum e notável saber jurídico, que, no entanto, nunca se mostrou um grande entusiasta dessa bobagem que as pessoas costumam chamar de democracia.
            Não menos brilhante ou competente, o seu opositor era o Professor Jader  Carvalho — pai do jurista e, posteriormente, Senador da República Cid Carvalho  — que mantinha a sua coluna semanal no jornal Correio do Ceará. Dono de uma verve incomparável, caracterizava-se pelas suas “tiradas” de excepcional humor, em contraposição ao mau humor visível e, até mesmo uma certa truculência, característicos do Professor Heribaldo.
            Utilizando-se de suas respectivas colunas na imprensa, trocaram farpas por muitos meses, cada qual com o seu estilo, para a delícia dos alunos da Faculdade de Direito, que se dividiam em verdadeiras torcidas para os dois lados, com alguma predominância — digo, sem querer favorecer o “nosso lado” —  para os que apoiavam o Professor Jader Carvalho.
            A contenda ia razoavelmente equilibrada, com estocadas de lá e de cá, quando o Professor Jader resolveu “espetar” o outro com mais força. E escreveu o seguinte, em sua coluna: “Conhecido docente da Faculdade de Direito do Ceará, Professor Heribosta Caldo...”
            Consta que o outro, irado, mandou um recado ao autor do gracejo, intimando-o a desculpar-se, sob pena de, não ficar muito feliz com as conseqüências de sua brincadeira. Parece que, pelo mesmo portador, o Professor Carvalho teria dito que tudo não passara de um mero equívoco, um simples erro de imprensa — muito mais comum nos tempos da linotipia — e que a correção haveria de vir na próxima publicação.
            De fato, veio. Depois de escrever sobre o tema que elegera, o Professor Jader Carvalho, no rodapé de sua coluna, fez a correção: “Por um equívoco, em nossa coluna da semana passada, saiu publicado com erro o nome de um conhecido docente da Faculdade de Direito do Ceará. Na verdade, ele não se chama Heribosta Caldo e sim Hericaldo Bosta...”
            Nunca soubemos ao certo. Mas comentou-se, pelos corredores da Faculdade, que o Professor Heribaldo Costa teria mandado aplicar um "corretivo" no criativo Professor Jader Carvalho.

            E tudo, como se vê, por um simples erro de imprensa...

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