EU SEI DO QUE VOCÊ GOSTA!

Wagner Fontenelle Pessôa                                 
    Coisa boa é o começo do casamento! Porque tudo é prazer e diversão, no início de uma vida a dois. Até mesmo as mancadas e os “micos” que o jovem casal costuma cometer — um perante o outro — servem de motivo para se rir depois.  É a jovem esposa, que não sabe preparar um simples café, nem mesmo na era da cafeteira elétrica; é o maridinho que nunca trocou um botijão de gás na casa da mamãe e, por isto, se atrapalha todo, no momento de fazê-lo. E disso, para mais.
            Há, por certo, alguns embaraços, alguns constrangimentos que ambos experimentam, um diante do outro. Às vezes, pela falta de prática no trato das questões domésticas. Noutras, pela falta de um entrosamento, que ainda não chegou para os “pombinhos”. Isto quando a motivação para estas coisas não tem raízes mais profundas, que decorrem de um certo, digamos, desnivelamento entre os recém casados.
            Sei, por exemplo, de uns conhecidos meus que, em viagem de lua de mel a Campos do Jordão, foram a um restaurante, certa noite. E, mal entraram, a mulher disse ao jovem marido, fazendo um uma expressão dengosa:
            — Meu bem, hoje eu vou querer “fondue”... (que, como sabem, pronuncia-se “fondi”).
            Sem entender bem do que se tratava, mas achando engraçada a palavra, o maridinho retrucou, cheio de malícia e nenhum refinamento:
            — Deixa só a gente chegar ao hotel, que você vai ver o que é bom prá tosse!
            Ela explicou, sorrindo, ainda naquela fase em que a mulher transige em relação à falta de estilo do marido:
            — Não, seu bobo... “Fondue” é isso que eles estão comendo aí na mesa do lado... Eu adoooooro “fondue”!
            Assim, fizeram a solicitação ao garçom e, daí a pouco, lá vem aquela panelinha com o óleo fervente, além dos molhos, espetinhos e o filé cortado em cubinhos. E, antes que ela pudesse entender ou impedir, ele apanhou a travessinha com a carne e a despejou de uma só vez dentro da panela, para o espanto dela e dos vizinhos de mesa.
            No momento, morreram de rir da falta de noção dele. Mas, anos depois, ela lembraria deste fato numa roda de amigas, para concluir que se tratava de um “grosso”. Porque é assim mesmo: depois de uns bons anos de vida conjugal, o que pareceu divertido na lua de mel e nos primeiros anos do casamento, será impiedosamente narrado como “mais uma do casca grossa” com quem ela se casou. Que, só para esclarecer, nunca foi mais refinado, desde quando principiaram a namorar.
            Pois é mesmo nisto que consiste o ponto das discórdias entre o marido e a mulher: ela se casa acreditando que conseguirá mudar o cara; mas ele não muda jamais. Enquanto ele se casa acreditando que a mulher nunca haverá de mudar; mas ela muda!            Mas não é disto que eu pretendia tratar, senão, daquela primeira fase da vida do casal, cheia de desvelo, atenção, carinho e, sobretudo, muito tesão de um pelo outro.
            Pois foi numa fase dessas que aquele casal, apaixonadíssimo partiu para a lua de mel, em uma cidade serrana.  E como a vontade acumulada era grande, chegou ao hotel numa sexta-feira, ao cair da tarde, permanecendo no apartamento — de onde pediam o café da manhã e alguns lanches rápidos — até o almoço do domingo, quando desceram ao restaurante, para fazer uma primeira refeição decente.
            Vinham, ambos, visivelmente abatidos, olheiras acentuadas, com certa lerdeza de movimentos, além de algum empecilho no caminhar. Verdadeiramente exaustos! Tomaram assento numa das mesas — ela, com maior dificuldade — e lá vem o “maitre d´hotel” com o cardápio, que, como manda o figurino, ofereceu, em primeiro lugar, à mulher. Ela o folheou, distraída, e, fazendo um charminho para o marido, entregou-lhe o “menu”, dizendo, toda cocote:
            — Meu amor, você já sabe do que eu gosto, né?
            Foi quando, com uma expressão meio aflita, ele respondeu:
            — Eu sei do que você gosta... Mas a gente também precisa se alimentar! Você não acha?
            Ah... Que tempo bom!                      

                        

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