VEM RINDO
Wagner Fontenelle Pessôa |
A bebida alcoólica, de todas as substâncias que causam dependência e
fazem mal à saúde é, talvez, a mais traiçoeira. Não porque seja a que destroça
mais rapidamente o seu consumidor habitual, o viciado em álcool, mas porque o
seu consumo está cercado por uma série de complicadores.
Em primeiro lugar,
porque ela é socialmente aceita. Em segundo porque, exceto por algumas
restrições — como, por exemplo, dirigir depois de ingeri-la em certa quantidade
e da proibição de vendê-la a menores — a sua comercialização é livre e legal em
nosso país e, de resto, no mundo ocidental. Em terceiro porque, em muitas
culturas, o bêbado é menos motivo de censura e preocupação do que de zombaria e
diversão para a platéia.
Mas o vício do álcool
cobra um alto preço, dos dependentes e de suas famílias. O que parece não
preocupar muito (e nem pouco), aos que se divertem com os vexames que o ébrio apronta
e com os “micos” que paga. Então, o anedotário sobre bêbados só vai aumentando,
enquanto cômicos e humoristas exploram este filão em seus “scripts” e textos. Não
se pode negar, no entanto, que algumas pessoas, quando sob efeito do álcool costumam
fazer e dizer coisas engraçadas, porque a ingestão de bebidas alcoólicas
provoca nelas uma evidente neutralização dos seus mecanismos de autocensura.
Como
advogado, já tive a oportunidade de defender um cliente num desses processos a
que respondem os que são flagrados dirigindo sob o efeito de alguma bebida
alcoólica. Tratava-se de um profissional sério, corretíssimo em seus negócios,
generoso com os seus empregados, um ser humano da melhor qualidade. Mas era
dependente do álcool e isto, de quando em vez, punha a sua vida a perder, além
de haver desgraçado o seu casamento.
Na ocasião deste fato conversei
muito com ele e, pretextando precisar de provas que sensibilizassem o juiz no
momento da sentença, pedi que procurasse um profissional na área da saúde, para
iniciar um tratamento, porque eu precisaria da declaração de um médico que
convencesse ao magistrado que ele, espontaneamente, estava tentando livrar-se
do vício.
Já
nas proximidades das alegações finais no processo, eu telefonei para ele, num
final de tarde, dizendo que, sem a documentação que eu solicitara, a sua situação
ficaria bem pior, sob a ótica do julgador. Com a voz já meio alterada, ele me
disse que o motorista dele estava vindo ao meu escritório, para me trazer uma
série de papéis. E, de fato, algum tempo depois, chegou o motorista com um
envelope fechado para entregar-me.
Abri a correspondência
para ver que tipo de documento ele me conseguira, mas o que encontrei lá foi a xerocópia
de um livro de piadas: “Anedotas de bêbados”! Um completo irresponsável, embora
tendo sido um dos meus clientes mais corretos e queridos.
Existem, porém,
situações muito mais complicadas, envolvendo os bêbados. Como aquela em que o
“bebum”, em meio a um porre monumental, deu um soluço e engoliu, junto com a
cerveja, nada menos do que uma “ponte móvel” que lhe completava a dentadura.
Engoliu, mas a carraspana era tão grande que, disto, nem se deu conta! No dia
seguinte, em meio à ressaca habitual, notou a falta da prótese dentária, mas
entendeu que ela lhe escapara da boca, em algum ponto da bebedeira e que
precisaria procurar um dentista.
Só que, no correr do
dia, depois de algumas refeições, aquilo entrou no bolo alimentar e foi — como
é natural — procurando o caminho da saída. Mas tudo teria se resolvido com um
final feliz, se aquelas “garrinhas” da ponte móvel não houvessem enganchado nas
laterais do caminho, já quase na porta de serviço. Então, ficaram aqueles dois
dentes lá na “comissão de frente”, barrando a passagem, enquanto a “velha
guarda”, que sempre vem depois, tentava, sem sucesso, concluir o desfile.
Já
desesperando com as fisgadas que sentia, foi procurar um proctologista, por
sugestão da mulher. O médico mandou que o pinguço se colocasse em posição para
o exame e, cutuca daqui, mexe dali, ilumina com aquela lanterninha de lá, o
paciente, entre um gemido e outro, pergunta ao profissional:
— Então, doutor, o que é
que tem aí?
Ao que o facultativo,
intrigado e com a lanterna quase toda dentro do pinguço, para tentar entender,
responde:
— O que é, meu amigo, eu
não sei... Mas o que vem, vem rindo!
Efetivamente, não deve
ser muito comum encontrar dois dentes num lugar daqueles...
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