O INACREDITÁVEL SOLDADO GOUVEIA
Wagner
Fontenelle Pessôa
|
Por
uma questão de segurança, já faz muito tempo, perdi o hábito de dar carona nas
estradas. Mas, num dia desses, parado por uma espécie de "blitz",
recebi de um dos policiais o pedido para que levasse um colega deles, que
estava saindo da escala da noite e precisava chegar mais cedo à casa.
Dadas as circunstâncias, entendi que
não me custaria dar uma força ao militar transnoitado e atendi ao pedido. O
homem entrou no carro com a sua mochila e prossegui a viagem. E, depois daquelas
observações sobre o clima e o tempo, que caracterizam a falta de assunto entre
desconhecidos, fiz um comentário sobre uma nova pesquisa divulgada pela mídia,
do que faz mal ou não faz mal à saúde, quase sempre, um amontoado de tolices
encomendado por laboratórios ou indústrias. Para vender os seus produtos ou
derrubar a concorrência.
Mas teria sido melhor que eu ficasse
calado. Porque, estimulado pelo assunto, o homem passou a falar de uma forma
incontrolável, afirmando as coisas mais loucas e inconsistentes, sobre
História, Ciências, Política e, até, Psicanálise.
"Teve um tempo — disse ele —
antes desses navios a motor, que todos os barcos eram movidos a vela. E o
Brasil era o produtor das melhores velas do mundo! Porque as nossas velas eram
feitas com a fibra tirada de uma planta, que D. Pedro trouxe para cá, quando
Napoleão quis cortar a cabeça dele em Portugal. A planta era a
"canabis" e os Estados Unidos, que estavam tendo prejuízo,
contrataram mais de cem cientistas para estudarem essa planta. E eles acabaram
dizendo pro mundo que a "canabis" fazia mal à saúde".
E, diante do meu olhar de surpresa,
ele prosseguiu com aquela coleção de sandices:
"Porque isso não é verdade! A
droga só faz mal se for usada em excesso, como qualquer coisa. Se o senhor
tomar um litro de leite por dia, tudo bem. Mas se quiser tomar vinte litros de
leite por dia, com certeza vai passar mal e pode até morrer! A droga não mata
ninguém; pode até deixar o cara meio bobão, mas não mata".
"Vai
vendo aí: o Bob Marley usava vários tipos de droga, mas não morreu disto; ele
morreu de câncer de pele! E o Freud usava a droga para tratar dos pacientes
dele e foi quem patenteou a cocaína. O sujeito chegava lá dizendo que estava
triste, sem vontade de viver, o Freud dava umas pastilhas de cocaína prá ele e
depois perguntava: e aí, tá sentido o que? Então o cara logo dizia que não
estava sentindo nada e que nem tinha problema nenhum...".
"Mas quem começou com isto foi
um cientista famoso, que gostava de viajar pelo mundo todo. Ele viajava para
todos os lugares e quando chegou aos Andes, conheceu a planta da coca. Que lá
eles faziam umas "garrafadas" e até inventaram umas pastilhas dessa
planta. O nome desse cientista era Einstein e ele comprou umas "garrafadas"
e umas pastilhas dessas e levou para o Freud, dizendo: "toma aí e
experimenta isso com os seus pacientes, que vai dar certo". Hitler também
mandou os cientistas desenvolverem um colírio, na base da cocaína, que ele
usava sempre. E era por isso que ele ficava noites e noites acordado,
planejando as batalhas. E os generais se admiravam que, quando amanhecia, já
estava tudo planejado para a luta..."
E foi assim, neste ponto de sua
completa confusão entre fatos e nomes, que, chegamos ao tal posto policial em
que eu prometera deixar aquele desatinado PM. Que, ao descer do carro,
agradeceu, perguntou o meu nome e se apresentou:
— Muito prazer, eu sou o soldado
Gouveia. E se o senhor precisar de alguma coisa, lá na cidade onde eu trabalho,
pode me procurar!
Agradeci, sem ter a mínima intenção
de procurar por aquele inacreditável interlocutor, em nenhuma circunstância. E fui
em frente, com a mais absoluta certeza de que o soldado Gouveia, durante aquela
noite de serviço, havia, no mínimo, "dado um tapa na planta" ou
aspirado daquele "talco boliviano", como dizem uns e outros, por aí.
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