VEREADOR DESCALCIFICADO
Wagner Fontenelle Pessôa |
Os membros do Poder Legislativo, no
Brasil, sendo lá de que esfera forem, já não primam mais — se é que, em algum
momento de sua história, fizeram isto — pela elegância, pela decência e pelo
nível elevado dos debates. Seja nas Câmaras Municipais, seja nas Assembleias
Legislativas, seja na Câmara ou no Senado Federal, vereadores, deputados e
senadores, por qualquer discordância mais aguda, perdem a linha, "armam um
barraco" e partem para as agressões verbais ou, até mesmo, para as vias de
fato.
Tendo
em vista o "saco de gatos" ou a "torre de Babel" a que os
nossos parlamentos se assemelham, não é de admirar o baixíssimo nível da
maioria dos debates e, da mesma forma, o frequente desvio dos discursos — em
relação ao que deveria ser o confronto dos argumentos — para a troca de
injúrias. Que só não mancha a honra de todos os
parlamentares, porque a maioria
deles já chega lá com a honra manchada, por sua própria conduta.
Tudo
isto dito e devidamente considerado, vem à memória um fato, que contam como
ocorrido na Câmara de Vereadores de Caruaru, ditosa cidade do interior
pernambucano, cujo Legislativo já trouxe valiosas contribuições ao folclore
político deste país, protagonizado por políticos não menos folclóricos.
Em
tempos idos, um vereador governista e outro da oposição, pegaram-se num debate,
acerca de um projeto de lei, que um lado queria aprovar a qualquer custo,
enquanto o outro queria impedir que fosse aprovado, de qualquer maneira. Mas
como as duas partes chegaram a um impasse, para o qual não parecia haver
conciliação possível, os vereadores, de um lado e do outro, elevaram o nível da
discussão.
Era
"excelência" prá lá e "excelência" para cá, até que a
conversa tomou o rumo da ironia, desviou-se para a grosseria e desembocou na
ofensa e no completo descontrole verbal, depois de haverem, os dois
parlamentares, mandado a cortesia e a compostura às favas. Foi quando o
representante da oposição, sapecou a injúria para cima do oponente:
—
Vossa Excelência é um "descalcificado"!
Foi
a oportunidade que o outro precisava, para ironizar o adversário e ainda
ofendê-lo também:
—
E Vossa Excelência é um analfabeto, um ignorante, que deveria haver concluído,
pelo menos, o curso primário, antes de se meter a usar a tribuna desta Casa
Legislativa! Pois me chama de "descalcificado", querendo me chamar de
"desclassificado"!
A
risadaria foi geral e demorada, na bancada governista. O representante da
oposição, no entanto, não se apressou e nem se descontrolou. Esperou,
pacientemente, que o silêncio fosse restabelecido no Plenário, para, só então,
liquidar o edil que o desmerecera:
—
Pois Vossa Excelência enganou-se. Eu não pretendi chamá-lo de desclassificado.
Eu quis chamar foi de "descalcificado" mesmo! Porque um homem que é
corno, assim como Vossa Excelência (e já faz tanto tempo!), mas ainda não criou
chifres, é porque tem alguma carência de cálcio no organismo. É, portanto, um
"descalcificado"!
Depois de tocar a
campainha inúmeras e repetidas vezes — tentando acabar com a gritaria e os
aplausos, mas sem conseguir — o presidente da Câmara de Vereadores de Caruaru
decidiu, finalmente, que o melhor seria encerrar a sessão, deixando o assunto
para ser votado
num outro dia qualquer.
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