Artigo da semana/ PARA TUDO TEM LIMITE

 Wagner Fontenelle Pessôa
A coisa, aqui pela Terra, não andava boa, se vista — digamos assim — de um plano mais elevado. Conflitos em todos os continentes, guerras em que a tecnologia bélica parecia ser mais importante do que os motivos de cada um ou a diplomacia, a fome matando milhares pelo planeta, o desmatamento do globo, a poluição, e, como uma resposta da “mãe natureza” a tudo isso, verões inclementes, invernos de congelar pinguins, terremotos, ciclones, maremotos, tsunamis e uma série de outras dessas coisas...
Sendo assim, não é de admirar que houvesse tanta gente morrendo! Do

jeito que vimos pilotando mal essa nossa gigantesca nave, as perdas, entre os passageiros, não era pequena! A maior parte dos quais, provavelmente, descia diretamente para o Inferno, onde haveria de se explicar com o "Capeta Mor". Trabalho acumulado que o “Maligno” levaria anos ou décadas para analisar e resolver. Motivo de sobra para que se dissesse, por lá, o mesmo que dizemos por aqui:
— Mas que inferno, essa Justiça que não anda!
Mesmo assim, uma boa parte dos viajantes desembarcados da nave, por direito e merecimento, subia até o Céu. E era aí que a coisa se complicava. Porque lá, ao contrário do que acontece nas áreas mais quentes e endiabradas do Além, a chegada dos novos hóspedes é muito mais organizada. E, quando uma alma chega às camadas superiores, é cadastrada, averiguada e, só depois, expedido pelos computadores celestiais o respectivo “nada consta”, é encaminhada para a nuvem climatizada que lhe cabe.
Ultimamente, porém, a situação andava mais confusa na chegada ao Céu, do que portaria de Posto de Urgência do SUS! Não havia tanta imundície e descaso, mas era um tumulto só. E São Pedro, reconhecido por todos como o guardião oficial da porta celestial, tendo diante de si aquele grande livro, só perguntando aquelas coisinhas básicas:
— Como é o seu nome completo? Qual é o número da sua certidão de batismo (que, por lá, vale muito mais do que o próprio CPF)? Vem de onde? Morreu do quê?
Mesmo assim, com tão poucas perguntas, a coisa estava ficando confusa. E a confusão ia aumentando. Porque, a cada três que São Pedro cadastrava, chegavam mais seis. Se ele adiantava o registro de quatro e olhava, já vinham chegando oito... Um desespero!
Foi por isto que, a certa altura, o guardião da Portaria Celestial resolveu radicalizar: interrompeu o trabalho, fechou o livro e, elevando o tom da voz, disse para todos:
— Olhe aqui, pessoal: isto está muito confuso e muito desorganizado! Vocês estão chegando aos montes e se misturando a quem chegou antes, não estou conseguindo cadastrar direito e o “Setor de Verificação de Antecedentes” já me mandou duas reclamações! Deste jeito, não dá! E, assim, não posso autorizar o ingresso de mais ninguém!
Fez-se um silêncio absoluto na recepção. Se houvesse moscas no Céu, coisa em que eu não acredito, seria possível ouvir o zumbido de qualquer uma delas. Era o que o bom homem de barbas brancas queria. E, deste modo, pode explicar o seu plano:
— Vocês todos vão voltar para o lugar de onde vieram e comecem a se dirigir para cá aos poucos! Um de cada vez, mesmo que com uma pequena diferença de tempo. Nada de grupos animados de velhinhas e nem de japoneses excursionistas, por favor! A propósito, deixem as máquinas fotográficas por lá mesmo!
E diante da estupefação geral, explicou melhor:
— Mas como sei que a ressurreição não está entre as possibilidades de vocês, voltarão sem que ninguém de suas famílias possa identificá-los. Voltarão como bichos!
E começou de imediato a fazer as designações, apontando para cada um dos admirados circunstantes do primeiro grupo:
— Você volta como uma zebra... Você volta como um camelo... Você volta como um leão... Você volta como um tigre... E você volta como um veado!
Ao que o último indicado do grupo protestou, com um tremelique de corpo e uma voz aflautada:
— DE NOVO, SÃO PEDRO?!
Realmente, para tudo tem limite. Até mesmo para isto, não é mesmo?

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