Artigo da semana/ BICHINHO SEM RESPEITO!


          

                          Wagner Fontenelle Pessôa
 
O meu casamento havia se acabado há uns dois anos, quando iniciei um novo relacionamento com uma colega, professora na mesma instituição em que eu lecionava. Não foi, como dizem, uma coisa de "caso pensado". Simplesmente, aconteceu e, tanto para ela, quanto para mim, o fato de trabalharmos num mesmo local, ambos retomando a vida depois de uma separação, trazia lá uma certa complicação.

            Porque é claro que os demais colegas percebiam esse clima de esperança renovada. E nenhum de nós dois queria ser alvo das futricas que, gostemos ou não gostemos, em situações assim, sempre acabam rolando sobre a vida privada dos protagonistas: quem era antes, quem é agora, quem está com quem e outras nuances do "Tratado Geral das Fofocas".

            Procurávamos, por isto mesmo, ser bastante discretos, quando estávamos no nosso ambiente de trabalho, evitando manifestações de afetuosidade explícita, que é tão comum entre os namorados recentes. Mas, como havia, entre nós muita afinidade de interesses e  compatibilidade das coisas vividas — estávamos, os dois, aí pela faixa dos quarenta, com uns três ou quatro anos a mais para mim — tínhamos assunto de sobra e gostávamos de, nos intervalos ou na passagem para as aulas, ficar conversando.

            Conversávamos como quaisquer dois colegas de trabalho podem conversar, sem nenhum problema. Embora, com mais frequência e por mais tempo, como é evidente, diante das circunstâncias. De tal sorte que, se procurávamos não chamar a atenção dos colegas sobre nós, era possível supor que, menos ainda, os alunos estivessem percebendo alguma coisa sobre aquele relacionamento. Inclusive, porque nossas turmas não eram as mesmas.

            Foi por isto que me surpreendi, num certo dia, quando nos encaminhávamos para as nossas salas, que ficavam em pavilhões diferentes. Terminando um assunto qualquer, estacionamos bem num ponto do corredor em que deveríamos tomar direções diversas. E enquanto estávamos ali, finalizando a conversa, passaram por nós uns alunos da minha próxima classe. Eu os cumprimentei dizendo algo do tipo: "podem ir, que eu já estou chegando na sala".

            A resposta foi um "tá certo". Com mais uns cinco minutos encerramos a conversa e seguimos o nosso rumo. Caminhei para a sala e, quando me aproximava da porta, sem que os alunos ainda tivessem me visto, ouvi a seguinte pergunta:

            — Cadê o Wagner? Será que ele não vem hoje?

            E também ouvi a resposta, certamente dada por um daqueles alunos a quem eu cumprimentara, na passagem:

            — Vem sim! Mas ainda está lá embaixo, "dando ideia" para aquela coroa!

            Tive que me controlar, para não entrar rindo na sala de aula. E, neste dia, confirmei duas coisas, que, aliás, eu já sabia sobre a vida de um docente: a primeira é a de que, embora muito professor não imagine isto, os alunos sempre percebem o que se passa com ele. A segunda, é que aluno é, de fato, um bichinho totalmente sem respeito!

 

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