Coluna da semana/ O PRÊMIO

Há, na minha família paterna, três características comuns aos seus membros, logo percebidas por quem convive conosco. A primeira, é a de todos rirem de todos, porque, como já tenho dito, somos uma gente muito bem humorada. Com algumas exceções, é claro, que, por razões evidentes, eu me privarei de enumerar.

A segunda, que, de certa forma, decorre da primeira, é o hábito que temos, de adaptar algumas histórias, engraçadas e conhecidas, para incluir no enredo delas, este ou aquele parente. Todos sabem que aquilo é uma adaptação. Mas, ainda assim, todos a contam e se divertem com ela, como se, de fato, o personagem do caso fosse o tio tal ou o primo qual. O que não chega a ser nenhum absurdo, numa família que protagoniza, por outro lado, alguns casos tão absurdos, quanto engraçados.

A terceira, é o costume de se repetirem nomes, de geração a geração, assim como na magistral obra de Gabriel Garcia Marques — 100 Anos de Solidão — em que os nomes José Arcádio e Aureliano se reproduzem no correr dos tempos, enquanto a epopeia da família Buendia se desenrola. Na família dos Pinho Pessôa, que eu me lembre, não há nenhum Aureliano e nem há José Arcádio. Mas existem muitos Felizardo, João, Justiniano, Plácido, Geminiano, Salustiano e Hilda (que era o nome da minha avó), além de alguns outros, que se repetem ao longo da nossa história e com o passar das gerações.

Apesar disto, ninguém se confunde e nem é confundido, porque, como em toda família, nem sempre as pessoas são chamadas pelo seu nome de batismo. O meu tio Felizardo, por exemplo, sempre e desde pequeno, foi chamado e conhecido como Pinho, que é um patronímico familiar. Talvez (e disto não estou muito certo) para que fosse diferenciado do meu avô, também Felizardo, que lhe deixou esta herança.

Daquele "menino Pinho", que era na infância, acabou virando o "doutor Pinho", depois que voltou graduado nas artes da botica, após concluir o seu curso de Farmácia, em Fortaleza, onde fora estudar, do ginásio ao superior. E, assim, acabou responsável pela farmácia da família, o que fez dele muito mais do que apenas farmacêutico, numa cidade que não contava, naqueles tempos, com nenhum médico de forma regular e permanente.

Generoso, como sempre foi, quase quebra o empreendimento, porque atendia aos doentes, receitava e fornecia a medicação — não raras vezes, manipulada por ele mesmo — para um pagamento posterior, que, em grande número de casos, nunca ocorreria. Mas a fila na porta da farmácia não parava de crescer, a cada dia. E quando ele abria o estabelecimento, o número de pacientes já era grande. Que ele examinava e receitava, sem cobrar nada por isto. E vendia ou fornecia o medicamento para as mazelas da população mais pobre, embora muitas vezes, como explicado, sem receber também.

Pois estava assim, com a saúde financeira da farmácia um tanto combalida, quando, certo dia, entra pela porta do estabelecimento um dos frequentadores da sua gratuidade profissional e comercial. Com um sorriso estampado no rosto, o arigó, dirigiu-se ao farmacêutico benemérito e foi logo dizendo:

— Parabéns aí, doutor Pinho, pelo prêmio de ontem!

O meu tio perguntou sobre qual prêmio o tabaréu estava falando, porque não estava sabendo de nada. E o homenzinho explicou.

— O prêmio, do sorteio de ontem, que o senhor ganhou lá na quermesse!

O "pretenso premiado" fez uma cara de quem não estava entendendo nada e esclareceu que deveria estar havendo alguma confusão. Porque, ele mesmo, não havia ganhado prêmio nenhum. Mas o bestalhão não desistia:

— Ganhou sim, doutor Pinho! Que eu bem ouvi, quando disseram no alto-falante: apresente-se o "felizardo" para receber o prêmio!

Os irmãos dele garantiam ser essa história verídica e acontecida, na farmácia do meu tio. Mas, ainda que se trate de uma história adaptada, sendo protagonista o doutor Pinho, ele bem que merecia e precisava ser premiado desse jeito...
 

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