Crônica da Semana: NUNCA FUI TÃO FERVOROSO
Wagner Fontenelle Pessôa
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O meu tio Ocelo, casado com uma das
irmãs de minha mãe — a quem chamávamos, carinhosamente, de Dindinha — era um
católico desses, que levava a sério as coisas da religião. O casal criou os
filhos segundo os ditames da Igreja e da doutrina que professava, fazia parte
do Movimento Familiar Cristão, ministrava palestras nesses cursilhos da
cristandade, que andaram na pauta daqueles tempos e, por fim, era conselheiro
de outros casais, que participavam desses encontros promovidos pela paróquia à
qual pertenciam.
Lá em casa, ao contrário, meus
irmãos e eu fomos criados dentro daquele perfil que se costuma chamar de "católico
não praticante". Ou seja, fomos batizados, crismados e fizemos a primeira
comunhão, porque isto fazia parte da ritualística da religião que os
nossos
pais receberam de suas respectivas famílias. Mas não íamos à missa
regularmente, a segunda comunhão só veio para quem quis e, que eu me lembre, só
me confessei umas duas ou três vezes ao longo da vida toda, até que me
desliguei, inteiramente da Igreja Católica.
Creio, aliás, que sendo relapso
deste jeito quanto ao sacramento da confissão, o que fiz foi poupar os
eventuais confessores que haveriam de me atender, de perderem o seu precioso
tempo para ouvir umas besteiras que, se não me garantiam nenhum bônus a caminho
da salvação, também não seriam suficientes para me condenar ao fogo definitivo
do Inferno.
Fomos criados, até certa idade, com
pouquíssimo ou nenhum contato com as famílias paterna e materna, que moravam na
região Nordeste do país, enquanto, por circunstâncias de trabalho e emprego do
meu pai, vivíamos cá pela região Sudeste. E os encontros com tios ou primos
eram, realmente, esparsos e casuais. Até que, num certo momento de nossas vidas,
papai e mamãe resolveram
redirecionar seus planos para o futuro, voltando a viver no Ceará. E nos mudamos para lá.
redirecionar seus planos para o futuro, voltando a viver no Ceará. E nos mudamos para lá.
Para nós foi uma alegria essa
perspectiva de estar perto da família e conviver com ela. Uma experiência que
não havíamos tido, até então. E aí, chegados a Fortaleza, onde residia a maior
parte das irmãs de minha mãe, passamos a fazer uma programação em família, à
qual não estávamos acostumados. Tornou-se comum, aos domingos, irmos juntos à
praia, clube ou sítio. Programas que se coroavam com um almoço conjunto, para o
qual todos concorriam.
E a vida ia assim, deste jeito,
quando, num desses domingos, o almoço seria na casa da Dindinha, para onde
fomos, diretamente, vindos de uma praia mais distante. Deste modo, enquanto cunhados,
filhos e sobrinhos tomavam banho e trocavam de roupa, minha mãe e as irmãs, lá
pela cozinha, ultimavam os preparativos para servir o almoço. Uma preparação
que, aliás, para o tamanho da minha fome naquele dia, parecia não ter mais fim!
Os pratos, talheres e outros aparatos
para o almoço foram sendo postos na mesa comprida que havia, numa espécie de
varandão da casa do meu tio Ocelo. Até que, quando a comida começou a ser
trazida para o local do almoço e veio a chamada para a refeição, eu rapidamente
procurei um lugar e me sentei, ansioso para que alguém começasse a se servir e
liberasse os demais para fazerem o mesmo. Distraidamente, apoiei o rosto sobre
as mãos, com os cotovelos sobre a mesa, torcendo para que a comilança tivesse
início logo.
De
repente, porém, eu me dei conta de que, daquele falatório sem fim, o ambiente
havia sido tomado pelo mais absoluto silêncio. Levantei a cabeça e percebi que
todos me observavam, enquanto, com o olhar algo embevecido, o meu tio Ocelo me
perguntou, como sem querer perturbar a oração, que ele supôs eu estivesse
fazendo, para agradecer pelo alimento que viria em seguida:
— Já terminou?
O meu primeiro ímpeto, foi
responder, numa alusão ao almoço, propriamente dito, que já tardava, para os
apelos do meu apetite:
—
Como terminou, se eu ainda nem comecei?!
Contudo, entendi perfeitamente qual
havia sido o equívoco. E, sem querer perder o repentino prestígio que, como deduzi,
acabara de adquirir junto aos meus tios, respondi, afirmativamente, com um
gesto de cabeça.
Só que, na verdade, antes ou depois
daquele dia, eu nunca fui tão fervoroso assim.
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