Crônica da semana/CRATO E JUAZEIRO


Wagner Fontenelle Pessôa

Houve no Brasil, por longo período e até certo tempo, um traço que caracterizava o esforço de cidades e capitais — entre si ou entre Estados — na competição por um desenvolvimento mais rápido e mais acentuado. A competição entre as capitais, normalmente, ocorria entre aquelas que ficavam numa mesma região, como Recife e Fortaleza ou entre Manaus e Belém.
            Dentro de um mesmo Estado, em geral, essa competição era acirrada entre a capital e aquela outra cidade, que mais se destacava ou crescia, demográfica e economicamente. Como Fortaleza e Sobral, Teresina e Parnaíba, João Pessôa e Campina Grande, Natal e Mossoró e assim por diante.
            É evidente que agora sabemos quem venceu cada uma dessas disputas pela primazia, no que se refere ao crescimento e importância. E nos dias atuais, a maioria delas, afogada nos seus próprios problemas, que decorreram, justamente, desse crescimento — como habitação, saneamento, trânsito e segurança — já perdeu o interesse pela competição sem sentido.
            Mas, dentre todos esses casos, há um que se destaca na minha lembrança e que se deu no interior do Ceará. No Cariri, que é onde fica a cidade do Crato, que, durante muito tempo, foi a mais rica e próspera daquela região. E, relativamente próxima, a de Juazeiro do Norte, atrelada à figura lendária do Padre Cícero Romão Batista, um sertanejo carismático, que por sua bondade e determinação, exerceu, naquela comunidade, o seu ministério e papel de líder político.
            Só que, nos primeiros tempos, o fluxo de devotos em romaria à cidade, não era tão bem organizado. E, sendo formado por uma maioria de pessoas pobres e desvalidas da sorte, isto não correspondia a um retorno muito significativo, em termos financeiros para a comunidade. Com o passar do tempo, porém, a administração municipal, a Igreja e o comércio locais trataram de capitalizar e organizar esse fervor todo, assim como também aconteceu em Aparecida (SP) e Nova Trento (SC).
            Juazeiro do Norte teve um crescimento acelerado, a partir de então, o que acirrou, ainda mais, a competição com o Crato, cuja população, o comércio e administração, perceberam que seriam suplantados pela cidade vizinha. Até que, para coroar essa vantagem, intensificando o turismo religioso, a cidade fez erigir um monumento gigantesco, na forma de uma estátua do Padre Cícero, que os romeiros sempre tiveram como a um Santo.
            A estátua tem, realmente, proporções gigantescas e, segundo li certa vez, só o chapéu do "Padim Ciço", nela representado, equivale ao tamanho de um "Fusca". Salve engano, é a segunda no Brasil — depois da do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro — se consideradas suas dimensões. Pois foi justamente por isto que, no dia programado para a sua inauguração, com grade festa e presenças de autoridades civis, militares e eclesiásticas, deu-se o fato que passo a narrar.
            Comerciantes e empresários do Crato, sabedores do impacto que aquele monumento iria causar na atividade econômica e empresarial da cidade vizinha, despeitados com o fato, mas impotentes diante dele, resolveram estragar a festa em Juazeiro do Norte.
            E na manhã daquele dia, um pequeno avião sobrevoou a cidade dos romeiros, com a estátua ainda coberta e antes da inauguração, despejando sobre ela, milhares e milhares de papéis, nos quais estava impresso um versinho que dizia:
            "Se estátua fosse tanque,
            Muriçoca[1] fosse avião,
            Se corno fosse soldado
            E chifre fosse munição,
            Juazeiro estava pronta
            Prá defender a nação!"
            Foi um deboche, que parece não ter dado em nada. Ou que, talvez, tenha despertado a indignação do Padre Cícero, seja lá onde ele estivesse. Porque, depois disso, Juazeiro do Norte ultrapassou o Crato, em fama e tamanho. 

[1] O mesmo que pernilongo ou carapanã.

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