Crônica da semana/ APENAS INIMIGO




                       Wagner Fontenelle Pessôa

Se o caro leitor ou leitora puder afirmar — em sã consciência, com a alma em festa e o coração a palpitar — que nunca teve na vida um chefe do "tipo perseguidor", poderei lhe dizer que se trata de uma pessoa bafejada pela sorte. Porque é difícil a alguém trilhar uma carreira profissional sem que, em algum momento, acabe se deparando com uma figura dessas, que parecem vir ao mundo com a única missão de atormentar a vida alheia.
            Aliás, é isto mesmo! O chefe perseguidor não se confunde com aquele que distribui e cobra tarefas, que exige o cumprimento dos horários e a observação dos prazos para a conclusão dos projetos e dos cronogramas de trabalho. Este é, apenas, um chefe exigente, que, não poucas vezes e apesar de tudo, é respeitado e querido pelos que lhe devem obediência. O outro é aquele que sente um certo prazer sádico, ao encontrar um motivo para recriminar, reclamar e, sendo possível, penalizar o subordinado.
            Pois se você tem ou já teve um chefe do tipo, console-se comigo, que experimentei as agruras de conviver com um deles, logo ao início da minha vida profissional, quando consegui o meu primeiro trabalho regular, no extinto Departamento Nacional de Endemias Rurais, que era vinculado ao Ministério da Saúde e resultou da fusão das chamadas Campanhas de Combate à Malária, à Febre Amarela e outras mais. Sendo, depois, sucedido pela SUCAM.
            Contratato, a título precário, como auxiliar de escritório e ganhando pouco mais que nada, fui lotado no Almoxarifado daquela repartição. Era um lugarzinho insalubre onde ficavam armazenados diversos tipos de veneno, que os agentes daquele órgão empregavam em suas atividades de prevenção e profilaxia contra as doenças endêmicas. Mas o pior não era isto. O pior era conviver com o chefe do Setor, uma espécie de medíocre arrogante, cujo único prazer na vida parecia ser desgraçar o expediente dos subalternos e azucrinar a paciência dos que estavam sob suas ordens.
            Chamava-se Mário Holanda, o animal. E viera a dar com os costados naquela repartição pública, depois de passar muitos anos exercendo, nas tarefas de campo, a função de guarda sanitário, na antiga Campanha Nacional de Combate à Febre Amarela, uma das que se agruparam com a da Malária e outras mais, para dar origem ao famigerado DENERu, em cuja Circunscrição Ceará ocorreram tais fatos.
            Os guardas sanitários eram popularmente conhecidos como "mata mosquitos". E sendo eu, naquele tempo, um tipo bastante magro e mais para o longilíneo, creio que o perseguidor Chefe do Almoxarifado me olhava, assim, como se eu fosse uma espécie de "Aedes aegypti" ao seu alcance. E, por isto, talvez pensasse que era o seu dever acabar comigo antes que eu levantasse voo. O homem me azucrinou tanto que, certo dia, perdi a paciência e resolvi enfrentá-lo, dizendo-lhe que ele era um perseguidor insuportável e outras coisas do gênero.
            Ele se retirou do ambiente e foi me "entregar" ao médico que era o Diretor de todos nós. Não retornou até o final do expediente e eu, passado o momento da raiva, me preparei para perder o meu primeiro emprego. No dia
seguinte, fui chamado ao gabinete da Direção. A bem da hierarquia, tive de ouvir um sermão e fui transferido para outro Setor, recebendo, assim, um prêmio em lugar de um castigo, pela minha insubordinação. Porque o Dr. Aníbal devia também saber quem era aquele "cancro duro" que ocupava a chefia do Almoxarifado.  Mas nem sempre é assim que funciona.
            Em Fortaleza, no Banco do Nordeste do Brasil, por exemplo, houve um gerente chamado Costa, que era um desses perseguidores infernais! Aquele, sim, era o tipo rematado do chefe perseguidor, grosso e algo truculento. Um desses que não podem ver ninguém feliz, pois logo arranjam um motivo para azedar-lhe o dia. E isto o fazia merecedor de antipatia e rancor quase unânimes entre os que trabalhavam sob seu comando. Homem malquisto estava ali!
            Por coincidência, no entanto, havia na mesma agência bancária um outro funcionário, também chamado Costa. Isto é, ostentando o mesmo sobrenome do gerente perseguidor. E foi por isto que, certa vez, estando este Costa em algum lugar com um grupo de amigos, foi apresentado a alguém que, ao ouvir o seu nome e saber de sua condição de funcionário do BNB, deu-se por conhecido, dizendo e já perguntando:
            — Mas que interessante... Conheço o gerente da sua agência, que também se chama Costa! Você é alguma coisa dele?
            E o Costa, que não era o gerente, respondeu, num misto de indignação e desabafo, quase como se tivesse sido ofendido:
            — Sou sim... Sou inimigo! Sou inimigo dele, entendeu?!
            Acho que o outro entendeu porque, como sabem todos, inimigo não é grau de parentesco. Embora existam sogros, sogras e cunhados que, por vezes, também se relacionem nesse mesmo nível de "afetividade".

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