Crônica da semana/ NA MAIOR MALÍCIA!
Wagner Fontenelle Pessôa
|
Talvez,
nos dias atuais, a coisa ande mais fácil para a garotada. Mas, para a minha
geração e muitas outras, antes e depois da minha, a adolescência era uma fase bem
difícil! Sobretudo nos primeiros anos, enquanto íamos passando da pré para a
adolescência propriamente dita. Porque esta é aquela etapa da vida em que
certos hormônios começam a agitar as vontades de um garoto e na qual
determinados desejos estão sendo despertados. Mas, ao mesmo tempo, as
possibilidades de obter resultados, no que a isto se refere, eram raras, quase
inexistentes.
Para dificultar ainda mais as coisas,
alguns estavam enfrentando aquele conhecido problema das espinhas no rosto. E,
para arrematar a derrota, as meninas, na mesma faixa de idade, preferiam os meninos
que tivessem uns três ou quatro anos a mais do que elas. O que nem era tanto
assim, mas, no seu entender, fazia uma diferença danada, quando desfilavam
diante das amigas e de outras "aborrecentes", ostentando o namorado
de uma turma mais adiantada no colégio. Coisas do ego feminino, que nenhum
homem deve perder tempo tentando entender.
A questão de fundo é que as garotas
adquirem forma e jeito de mulher mais depressa do que os garotos adquirem forma
e jeito de homem. De tal modo que, enquanto elas já estão pensando "num
compromisso e no futuro", eles ainda se encontram na fase do "descompromisso
com o futuro". E é por isto que, muitas vezes, as mulheres se irritam e
dizem que todos os homens são meio infantis. Afinal de contas, porque é que o
desgraçado não pensa logo em se casar e constituir família, preferindo tomar
uma cervejinha com os amigos e correr atrás de uma bola?
Mas há uma certa ironia quanto a
isto. Pois é justamente naquela fase em que elas preferem os meninos mais velhos,
que os mais novos, sem a menor chance com as garotas de sua idade, desenvolvem
o gosto pela companhia de outros meninos que também não conseguem arranjar uma
namorada. As mulheres continuam a atraí-los (suponho que, ainda, na maioria dos
casos), mas eles acabaram consolidando esse sabido prazer de estar na companhia
de outros homens. Uma coisa que, aliás, as representantes do belo sexo têm
dificuldade de compreender e assimilar.
Pois foi bem nessa faixa etária, de
começo da adolescência — que, como disse, os hormônios estão a mil, as
oportunidades estão a zero e, para piorar, o menino tem pouco ou nenhum
discernimento — que o meu irmão teve um colega de classe, chamado Helvécio. Era
um desses, com o rosto cheio de espinhas, que falava cuspindo e tinha uma boca
mole e protuberante, como se tivesse tomado um tabefe na "beiça". O
que lhe valeu, por parte dos colegas, o cruel apelido de "Boca Mole".
E como se como isto já não fosse o
suficiente para desgraçar-lhe as possibilidades de arranjar uma namorada, o
garoto ainda era possuidor de um mau hálito insuportável. O que era sabido, não
só pelos seus colegas, como, de resto, por todos os alunos do colégio que já
tinham tido o desprazer de trocar alguma palavra com ele, a menos de um metro
de distância. Assim, mal comparando, conversar com o Helvécio "Boca
Mole" era como enfiar o nariz numa fossa! A boca do cara era um verdadeiro
esgoto a céu aberto e fedia mais do que a maioria dos políticos do Brasil!
O pior é que ele parecia não
desconfiar de nada. Totalmente "sem noção", em relação ao problema,
porque nem evitava aproximar o rosto das pessoas, quando queria dizer alguma
coisa. E disso tiveram prova os seus colegas de classe, num dia em que estavam
fazendo um exercício e ele foi até a mesa da professora, pedir uma explicação.
Falou com ela, como era de seu costume, cuspindo e com a cara bem junto do
rosto da infeliz, como viram todos.
Mas, ao final da aula, depois que a docente
já se retirara da sala, ele se aproximou de um grupo de colegas que conversava
e, tornando o espaço irrespirável com o seu péssimo hálito, além de espalhar
perdigoto sobre todos eles, disse, num tom de confidência:
— Olha aí, pessoal... Vocês
precisavam ver. A professora tava na maior malícia comigo!
Sem compreenderem direito o que ele
estava falando, os colegas quiseram saber o motivo da observação. E o Helvécio
"Boca Mole" explicou:
— Cara, eu estava falando com ela
sobre o trabalho e ela parecia nem ouvir direito. Olhou pra mim e disse, na
maior malícia: "que boquinha você tem! Não há quem aguente!"
De fato, ninguém aguentava! Mas, se fosse no momento atual — com os
exageros da "pedagogia moderna" e a paranoia do "politicamente
correto" — a professora provavelmente seria chamada às falas. Na melhor
das hipóteses, por "bullying"... Na pior, por assédio sexual ao
Helvécio "Boca Mole".
Um comentário
Fantástica esta Crônica, como todas as outras! Gosto muito da maneira com que escreve, caro Professor! Parabéns!!! Saúde e muita Paz!!!
Postar um comentário