Crônica da semana/ O ÚLTIMO A SER ATENDIDO
Wagner
Fontenelle Pessôa
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Quando
eu atingi aquela faixa etária em que todos os adolescentes brasileiros estão
obrigados ao alistamento militar, o país começava a viver, justamente, o
período do regime militar de 1964. O presidente general da vez era, então, o
Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.
Naquela época, a prestação do serviço
militar "obrigatório" ficou parecendo mais obrigatória do que fora
antes e do que voltou a ser, depois do retorno à democracia. Porque os
"milicos" achavam que, para um jovem que estivesse se iniciando na
vida, passar pelas suas fileiras e envergar uma farda verde oliva era a
experiência mais honrosa que a juventude poderia ter.
Sob a minha ótica, como o que eu
buscava era tomar o rumo de uma graduação em Direito, essa possibilidade não parecia
nada atraente. Por isto, no momento da seleção, recorri à boa vontade de um primo
distante, que, para minha sorte, estava ocupando o posto de Subcomandante do
10º Regimento de Obuses, em Fortaleza, ao qual me apresentei para fazer aqueles
exames, pelos quais são selecionados os que vão servir no período seguinte.
Mesmo assim, se escapei de ingressar
nas fileiras do glorioso exército nacional, não escapei de passar por aquela
seleção médica e biométrica, que indicava os que se encontravam aptos para a
prestação do serviço militar e que, pelo modo como era realizada, pelo menos
naquela época — não sei como será agora — evidenciava o estilo prepotente e
quase desrespeitoso com que, então, os militares tratavam os civis no Brasil.
Num galpão enorme, a rapaziada
passava por seis ou oito filas diferentes, em cada uma das quais
era submetido
a testes e exames, com oficiais médicos e auxiliares. No correr de uma manhã
quase toda, iam trocando de fila, mas procurando não se tocarem, porque estava
todo mundo pelado como viera ao mundo. Porque tirar a roupa por completo era a
primeira ordem que os alistados recebiam. Sinceramente, um constrangimento
desnecessário, ainda que, para alguns daqueles rapazes, isto pudesse constituir-se
em motivo de discreta alegria.
Não na minha turma — ou
"classe", como se diz no jargão militar — mas, umas duas classes
antes da minha, apresentou-se à seleção um amigo meu. E, na mesma turma dele,
um jovem muito engraçado, que viria, no futuro, a ser um cartunista conhecido
nacionalmente, quando tornou-se um assíduo colaborador do Pasquim, um tabloide
que se caracterizou pela critica ao regime militar e que enfrentou muitos problemas, graças a isto.
Como cartunista, ele adotou o nome
de Mino, embora, na pia batismal, houvesse recebido o nome de Hermínio Macedo Castelo
Branco. Durante certo tempo, fomos contemporâneos, na Universidade Federal do
Ceará. Apesar do que, sendo ele uns dois anos mais adiantado do que eu, nunca tenhamos
chegado a manter qualquer relacionamento pessoal. Mas, quem convivia com ele, costumava
mencioná-lo como sendo um desses tipos realmente engraçados e cheio de ideias
divertidas.
Voltando, porém, à seleção para a
prestação do serviço militar, no ano em que o Mino se apresentou, na mesma
turma daquele meu amigo, o presidente da República era, como dito, o Marechal
Castelo Branco. Pois sendo assim, na hora da chamada, antes de começarem os
exames — feita aos gritos por um cabo — no meio daqueles não sei quantos nomes,
lá veio o dele:
— Hermínio Castelo Branco!
Ele respondeu presente e o militar
interrompeu a verificação das presenças, para uma pergunta:
— Hermínio, você é "alguma
coisa" de sua excelência, o senhor presidente da República?
Sem tremer um músculo do rosto, o
Mino disse que sim e recebeu a ordem para se colocar fora da fila. Provavelmente,
com o propósito de que ele fosse atendido com prioridade, não é mesmo?
Terminando a chamada dos alistados,
o meganha dirigiu-se, novamente, ao tipo:
— Hermínio, o que você é de sua
excelência, o senhor presidente da República?
E a resposta veio, rápida, sem
pestanejar:
— Conterrâneo! Eu sou conterrâneo
dele!
O cabo teve um acesso de irritação e
berrou na direção do gaiato:
— Para o final da final, palhaço!
Você está pensando que isto aqui é brincadeira?!
E foi assim que o Hermínio Castelo
Branco, mais conhecido como Mino, foi o último alistado a ser atendido naquele
dia.
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