Crônica da semana/ PENSE NUMA AVÓ DISTRAÍDA!
Wagner
Fontenelle Pessôa
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Esquecidos do tempo em que também foram
pequenos, os adultos tendem a imaginar que as crianças não se apercebem de
certas coisas que eles fazem ou que dizem. Pensam que os pequenos não prestam
atenção no que os mais velhos conversam, nos comentários que trocam sobre
alguém ou alguma coisa, porque se utilizam de meias palavras, supondo que isto
torna a compreensão dos infantes, que brincam ali por perto e aparentemente
distraídos, mais difícil ou mesmo impossível.
É um tolo engano, cometido de
geração a geração, já que meninos ou meninas são uns bichinhos espertos e
disfarçados. Ainda que pareçam absortos em alguma brincadeira e desligados do
que se passa à sua volta, enquanto os mais velhos conversam, na maior parte das
vezes estão com as antenas ligadíssimas naquilo que os maiores dizem ou fazem.
Foi assim, por exemplo, que fiquei
ciente de algumas particularidades de pessoas ou casais da cidade em que vivíamos.
Porque, enquanto a minha mãe conversava com alguma amiga ou com o meu pai,
confiante na minha total concentração no brinquedo que me servia de disfarce,
eu ia tomando conhecimento do que rolava com a vida dos adultos, naquela ainda pequena
coletividade sem muitos segredos, em tempos de limites morais um tanto mais
rígidos do que agora.
É fato que
muitas dessas coisas, que captei da conversa alheia, eu só vim a entender, no
seu exato sentido e dimensão, algum tempo depois, porque me faltavam, no
momento em que as ouvi, informações sobre as coisas da vida, que me permitissem
conectar a informação com a compreensão.
Mas, se as crianças do meu tempo já
eram assim, não é difícil imaginar do que são capazes essas crianças de hoje,
mais espertas e mais esclarecidas pelas novas tecnologias de informação e
comunicação a que estão habituadas. Essas crianças de hoje, não só compreendem
as coisas que se passam à sua volta, como são capazes de formular juízo sobre
elas, de um jeito que as gerações mais velhas — nessas fases iniciais do seu
desenvolvimento, pelo menos — estavam longe de conseguir.
É por este motivo que, de vez em
quando, nos surpreendemos com a "sacada" de algum desses pequeninos
e, mais do que isto, com a forma como eles reagem, ao entender a questão. Não,
apenas, quando o assunto envolve alguma malícia, mas em relação aos fatos do
dia a dia mesmo. Como aconteceu, recentemente, com o neto de um dos meus
amigos.
O pequeno, que está aí na faixa de
uns três anos de idade, foi passar um final de semana na casa dos avós e, como
costumam fazer as mães em casos tais, a dele preparou a sua mochila, com algumas
roupas e os acessórios necessários para isto, como algum remédio para uso
eventual, hidratante, repelente, uma água de colônia e essas coisas que
acompanham as crianças quando vão passar um dia ou dois na casa dos avós ou de
algum tio ou tia.
Muita brincadeira, muita curtição de
parte a parte, mas, ao cair da tarde, a avó levou o molequinho para um banho,
já nos preparativos para o jantar que viria depois disto e antes da hora de
dormir.
Banho dado, a zelosa vovó apanhou,
na mochilinha do neto, um tubo de creme. E passou a hidratar o garoto, com
força e disposição. Foi lambuzando o menino dos pés à cabeça, sem deixar
nenhuma parte sem passar o produto. Terminou passando o creme no rosto dele e,
para arrematar, limpou as mãos nos cabelos do pequeno.
Em seguida, sentindo o suave perfume
que exalava da criança, disse-lhe com carinho:
— Puxa vida, meu amor, como você
está cheiroso!
E o pequenino, que até aquele
momento não fizera nenhum comentário, com o claro propósito de aprovação do que
a avó fizera, respondeu:
— Agora, vovó, o mosquito não me
pega mesmo!
Só, então, foi que a mulher do meu
amigo percebeu o que fizera. Em lugar de hidratar o neto, como pretendido, fez
foi lubrificá-lo todo de repelente. Algo que, aliás, o menino mesmo compreendera
durante todo o processo da pretendida hidratação.
Só faltou que o pequeno dissesse,
como o Chaves Chapolim, naquele programa da tevê: "desconfiei desde o
princípio". Pense numa avó distraída!
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