Crônica da semana/ UM POÇO DE IGNORÂNCIA

Wagner Fontenelle Pessôa    
Como os brasileiros costumam padecer de uma amnésia grave, não custa nada, de vez em quando, lembrar alguns fatos divertidos da nossa crônica republicana, que aparecem muito pouco ou quase nunca nos compêndios oficiais da nossa História. E como, com o passar dos anos, os mais velhos já não se lembram desses acontecimentos e os mais jovens, provavelmente, nunca ouviram contar sobre eles, talvez valha a pena fazer um pequeno registro de um ou de outro, para que não desapareçam, em definitivo, da nossa memória. 

E, tratando disto, algo que me vem à lembrança, de imediato, é um episódio que ocorreu, segundo os cronistas daquela época, durante o período do "Getulismo", envolvendo as comunicações entre o Palácio do Catete — onde funcionava a sede do governo da União — e o Palácio da Luz, naquela época, sede do governo do Ceará, que se encontrava, então, submetido ao interventor federal Francisco de Menezes Pimentel.

Só para situar a questão, Getúlio Vargas assumiu o poder no Brasil em 1930, como líder inquestionável de uma revolução. Desde o início, já revestido de atribuições extraordinárias, aos poucos, foi aumentando o seu poder pessoal, até que, em novembro de 1937, instituiu uma ditadura fascista no país. Em consequência de tal fato, concentrou atribuições, dissolveu o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais. 

Além disso, destituiu todos os governadores estaduais, com exceção do recém eleito governador de Minas Gerais, o folclórico Benedito Valadares. Para os demais estados da federação, designou interventores, com poderes executivos e legislativos, porém subordinados ao poder central. O que equivale a dizer, subordinados ao próprio Getúlio. Suspendeu os direitos adquiridos e as garantias individuais também. Era a ditadura do Estado Novo que se estabelecia no Brasil.

Em razão disso, foi nomeado como interventor para o Estado do Ceará um político, Francisco de Menezes Pimentel, que era um desses morenos, de pele bem escura e características físicas mais para o tipo de um mulato do que para a raça negra, propriamente dita. Tratava-se de um fiel aliado na implantação da ditadura getulista naquele estado, que muito bem representou o Estado Novo na terra dos verdes mares. 

Mas o que merece destaque, mesmo, é a figura do seu chefe de Gabinete, cujo nome me foge à memória neste momento, mas que, segundo consta, o que tinha de inteligente, tinha de ignorante. E que, com certeza, alcançou aquele posto por sua astúcia política e pelos laços de confiança que o ligavam ao interventor estadual. Não, como veremos a seguir, pelo seu brilhantismo intelectual. 

Pois reza o folclore político daqueles tempos que, certa vez, chegou ao Palácio do Catete, uma informação preocupante: a de que o Menezes Pimentel havia sido vítima, em Fortaleza, de um atentado a bala. Aquilo pôs o governo federal em alerta mas a notícia vinha truncada e confusa: ora, parecia ser
um boato; ora, parecia ser verdadeira, mas imprecisa. Atiraram ou não no interventor? E ele resultara ferido ou escapara ileso? Seria, o episódio, alguma espécie de insurreição nascendo entre os cearenses? 
Após uma reunião de emergência e antes que fosse adotada qualquer providência por parte do
governo federal, seria necessário conhecer os detalhes de tão preocupante assunto. E para evitar o constrangimento de uma consulta oficial acerca de um eventual boato, decidiu-se — naquela época de comunicação difícil — que o chefe de Gabinete do Presidente remeteria um telegrama privado ao chefe de Gabinete do governo do Ceará, solicitando uma confirmação preliminar sobre o assunto.

De forma tão hábil quanto possível, Luiz Simões Lopes, que ocupava a Chefia de Gabinete de Getúlio encaminhou ao seu correspondente, no Palácio da Luz, um telegrama, vazado nos seguintes termos: 
— De ordem do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, solicito informar, com urgência, se o Senhor Interventor Menezes Pimentel foi "alvejado".
De forma tão direta mas não tão sutil quanto seguiu a pergunta, veio a resposta, enviada pelo chefe de Gabinete do interventor cearense:
— Não. Ele continua preto como sempre.
E assim, pôs-se fim à boataria de um falso atentado contra o interventor do Ceará. Mas, como é possível perceber, o seu chefe de Gabinete era um poço de ignorância!

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