Crônica da semana/ BASTA VOCÊ GEMER


     Wagner Fontenelle Pessôa                            

Júlio César, imperador de Roma, foi casado em primeiras núpcias com Cornélia. Mas esta veio a morrer, segundo os historiadores, em decorrência do parto de um filho, que também veio à luz do mundo já sem vida. E, viúvo de sua primeira mulher, tornou a se casar (no ano de 67 a.C.) com Pompeia.
            Em 63 a.C. foi eleito para a posição de "pontífice máximo", o que equivalia ao grau de sumo sacerdote da religião estatal romana. E com esse status, adquiriu uma serie de regalias e poderes, inclusive o de ter uma residência na "Via Sacra", uma das principais ruas da Roma Antiga, que partia do Capitólio e ia até o Coliseu, na qual ocorriam os principais eventos e por onde passavam os mais importantes cortejos do Império.
            Em 62 a.C. Pompeia, segunda esposa do Imperador, realizou em sua casa um festival em homenagem a "Bona Dea" (boa deusa), do qual, pela tradição, nenhum homem poderia participar. Mesmo assim, um jovem patrício chamado Públio Clódio Pulcro conseguiu entrar, disfarçado de mulher, ao que consta, com o propósito de seduzi-la. Mas o mancebo foi pego e processado por sacrilégio.
            No seu julgamento, porém, César não apresentou nenhuma evidência contra Clódio e ele acabou inocentado. E embora os historiadores não se aprofundem em relação aos detalhes do fato, temos aí uma grande possibilidade de que Pompeia estivesse, mesmo, "dando uma bolada nas costas" do poderoso imperador. Porque, apesar do veredicto, César se divorciou de Pompeia, afirmando que "minha esposa não deve estar nem sob suspeita". Êta corno disfarçado!
            Sua frase, porém, repetida ao longo dos tempos, acabou dando origem a um provérbio, geralmente reproduzido nos seguintes termos: "À mulher de César não basta ser honesta; ela deve parecer honesta". O que acaba sendo um entendimento oposto àquilo que vemos acontecer na sociedade brasileira do nosso tempo, na qual "parecer honesto" se afigura, a algumas pessoas, como mais conveniente do que, de fato, "ser honesto".
            E, tratando dessas sutilezas, eu acabo me lembrando de um grande amigo do meu pai, lá em Cachoeiro de Itapemirim, filho de um fazendeiro de muitas posses, que, em certa
ocasião contou, sem nenhuma cerimônia, a seguinte situação vivida por ele, quando ainda era um adolescente, cheio de idealismo e boa vontade.
             Estava com o pai numa das propriedades da família, onde um grupo de empregados tentava mover uma grande tora de madeira, para retirá-la de onde se encontrava, por algum motivo que não vem ao caso agora. O garoto, querendo participar daquele esforço e impressionar o velho, juntou-se aos trabalhadores da fazenda, na labuta daquele momento.
            Ao comando do patrão, todos faziam força juntos, para movimentar a peça, enquanto o ar se enchia dos gemidos decorrentes daquele esforço coletivo. Até que num intervalo do trabalho, para colocarem uns calços no tronco, vendo que o filho já estava arfante e suado pelo esforço que fazia, o pai o chamou a um canto e lhe disse baixinho:
            — Escuta aqui, menino... Deixa eu lhe ensinar uma coisa. Numa situação dessas, você não precisa se esforçar tanto. Basta você gemer, gemer, gemer... E deixa os outros fazerem força sozinhos.
             Nada mais disse, nem lhe foi perguntado. Mas, desde aquele dia, esse amigo do meu pai aprendeu que, cá entre nós, a prática mais recomendável é, justamente, o contrário da que se cobrava da mulher de César. Porque, para a maioria dos brasileiros, nem é necessário ser honesto; basta que os outros pensem que você é! Como podemos comprovar a cada dia...

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