Crônica da semana/ MAL COMPARANDO...


     Wagner Fontenelle Pessôa                                  
      A manipulação genética, que, de forma acelerada e cada vez mais, vem deixando o campo da ficção para ocupar o espaço da realidade científica, produz e permite uma série de questionamentos, tanto no âmbito da própria ciência, quanto nas discussões de natureza ética.
       E as discussões acerca deste tema não são motivadas, como podem se apressar em concluir alguns, pela ausência do direito humano de interferir nos desígnios de Deus na Criação. Porque, sendo assim, a objeção teria um caráter mais teológico e doutrinário, do que, propriamente, moral.
       O debate quanto a isto também não pode estar fundado no entendimento radical de que não seja possível qualquer espécie de intervenção no feto, durante o processo gestacional, mesmo quando seja possível, mediante uma cirurgia intrauterina, corrigir e prevenir anomalias, doenças ou deformidades do futuro bebê. Porque isto já seria de uma completa obtusidade, em relação àquilo com que a ciência médica pode favorecer as pessoas, no que tange à sua qualidade de vida.
       Na verdade, o pano de fundo para essa polêmica, que vem ocorrendo nos meios científicos e acadêmicos, está mais voltado para emoldurar um outro aspecto da questão, que é a busca da possibilidade de que, em algum momento, os futuros pais possam determinar as características físicas e/ou intelectuais do bebê que
pretendem trazer a este mundo. Como a cor dos olhos ou o tipo de cabelo
, suas aptidões intelectuais ou habilidades motoras.
       Pois é justamente aí que mora o perigo, porque, sendo possível e permitido — legal e eticamente — intervir até esse nível no processo da gestação, em algum lugar do futuro teríamos substituído a espécie humana por uma raça de "ciborgues". Sabendo-se, como sabem muitos, que um "ciborgue" é, por definição, um organismo dotado de partes orgânicas e cibernéticas, geralmente com a finalidade de melhorar suas capacidades, utilizando tecnologia artificial.
       Além de tudo, como bem argumenta o respeitadíssimo filósofo Júlio Esteves — um especialista em Ética e Bioética — "sempre haverá uma certa dose de imponderabilidade nos resultados da manipulação genética". Isto é: de alguma sorte, os genes decorrentes de sua herança familiar sempre estarão presentes na criança que está por nascer. Como sempre aconteceu, à margem dessa manipulação, na concepção pelos métodos naturais.
       Se, por exemplo, o marido é branco que nem uma vela de sete dias e a mulher é ruiva que nem um farol traseiro, mas nasce, desse casamento, um bebezinho negro que nem "a boca da noite", cabe aí uma pesquisa genética, para descobrir e explicar, talvez, a presença de genes recessivos na morena criança. Ou, na pior das hipóteses, a contratação de um detetive particular, especializado em casos de infidelidade conjugal.
       Contudo, mesmo sem pensar numa hipótese tão radical, há sim, sem dúvida alguma, um certo grau de imprevisibilidade naquilo que a genética pode produzir, em termos da reprodução humana. O que, no curso destas considerações, acaba me fazendo lembrar de uma pequena história que fez sucesso, aí pelo final dos anos 50 ou começo dos 60, acerca de um encontro que teria havido entre uma das mais lindas atrizes de Hollywood e um dos físicos mais brilhantes de todos os tempos, que é considerado "o pai da teoria da relatividade".
        Contam que, certa vez, a belíssima atriz Rita Hayworth encontrou-se com o genial Albert Einstein numa recepção e brincou com ele:
          — Nós deveríamos ter um filho... Já pensou, uma criança com a minha beleza e com a sua inteligência?
         Ao que o excepcional físico teria respondido:
         — Melhor não. Porque também existe a possibilidade dessa criança herdar a minha beleza e a sua inteligência.

         Mal comparando, é mais ou menos por aí que anda a imponderabilidade dos fatores genéticos, à qual nunca conseguiremos escapar totalmente.

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