Crônica da semana/ MAMÃE, OLHA A CURVA!
Wagner Fontenelle Pessôa |
Para
uma criança, sobretudo para os meninos, uma das sensações de maior realização
pessoal, de conquista e de poder, é quando ela consegue, pela primeira vez,
andar e se equilibrar sobre uma bicicleta. Sei que era assim no meu tempo e
pelo que observo de vez em quando, nos parques, praças ou estacionamentos,
tenho a certeza de que, apesar de todos os brinquedos e aparelhos eletrônicos
que são postos nas mãos da criançada, pilotar uma bike ainda continua a ser um
prazer muito especial, em certa faixa de idade.
Mas quando passei por essa
experiência, não havia bem essa conversa de rodinhas auxiliares ou de pai, mãe e
algum tio amparando o moleque, para que ele aprendesse a se equilibrar sobre
duas rodas. A maioria nem passava pelas bicicletas menores, antes que crescesse
mais. O aprendizado era feito, diretamente, nos modelos grandes e, na maioria
dos casos, com a ajuda e boa vontade de algum amigo ou colega que já tivesse
experiência naquilo.
No meu caso particular, quem me
ajudou nesse "rito de passagem" entre as quedas e o equilíbrio em
cima da chamada "magrela", foi um vizinho de veraneio, o Danilo, que
teve mais pena da minha inexperiência sobre o assunto do que da integridade de
sua bicicleta, que joguei ao chão algumas vezes, antes de aprender a pilotá-la.
De toda forma, como estávamos na praia, os tombos foram amortecidos, tanto para
mim, quanto para ele.
Para o meu irmão Fernando, no
entanto, a aprendizagem foi um pouco mais penosa. Aprendeu no espaço de um
pequeno terraço da casa de um amigo seu, o Helvécio, que era o dono da bike e
foi seu instrutor de pilotagem. Mas como o espaço das aulas era pequeno, uma
das coisas que ele teve logo de aprender foi a fazer as curvas. Uma manobra
que, para os aprendizes costuma ser mais difícil. Isto o deixou especialmente
envaidecido e, tão logo se sentiu seguro o suficiente para ir até onde
morávamos, que não era longe dalí, resolveu exibir sua nova habilidade.
A nossa casa era construída em
vários planos e ficava na encosta de um morro, num terreno bastante íngreme. E
quando o mano chegou bem em frente a ela, encontrou a nossa mãe olhando por uma
janela, por mera coincidência. Assim, como faria qualquer criança, aproveitou
para mostrar as provas do seu novo aprendizado, enquanto desfilava, pedalando
diante de seus olhos:
— Olha, mamãe, aprendi a andar de
bicicleta!
Ele se exibia todo feliz, enquanto
ela lhe dirigia aquele olhar materno de aprovação, que todos os meninos querem
receber. Andou para lá e para cá, até que resolveu mostrar o que o deixava mais
orgulhoso, em seu novo saber:
— Mamãe, olha a curva!
E, ato contínuo, girou o guidão. Só
que, por um erro de cálculo, tempo e coordenação, embicou a bicicleta na
direção de um plano inclinado e se estabacou no chão de uma vez. Enquanto mamãe,
que não era gente — nem um pouco do tipo superprotetora e adorava curtir com as
mancadas dos filhos — morria de rir da janela. Percebendo, como é evidente, que
daquilo não resultaria nada para o mano, além de um joelho ou cotovelo
arranhado.
Mas este fato me conduz a outra
história, que guardo na lembrança. Aquela do menino que também havia aprendido
a andar de bicicleta há pouco tempo, mas já estava se sentindo o "rei do
equilíbrio". E num dia em que a mãe recebia a visita de umas amigas, todas
sentadas na varanda da casa, resolveu se exibir para o grupo, que, na verdade,
não estava dando muita importância para a sua destreza.
Enquanto elas conversavam, o garoto
passava de um lado para o outro, gritando, para chamar sua atenção. Até que, em
certo momento, disse:
— Olha aqui, mamãe... Sem as mãos!
E lá se ia o moleque, sem segurar o
guidão. Mas a mãe, pouco interessada naquilo, apenas o advertiu, quase que por
força do hábito:
— Menino, toma cuida, que você vai
acabar caindo...
Daí a pouco lá vinha o pentelho
outra vez, com as pernas levantadas, desta vez gritando:
— Olha, mamãe... Sem as pernas!
Enquanto a mãe, algo distraída, como
se fosse parte do seu script, dizia mais uma vez:
— Meu filho, você vai terminar se
machucando...
Depois disso, passou-se um tempo sem
que o garoto desfilasse pela frente do grupo. Até que surgiu diante da varanda,
chorando, com a boca suja de terra e sangrando, para dizer, finalmente:
— Olha, mamãe... Sem os dentes!
Como o meu irmão, ele havia feito
uma manobra errada. A diferença é que, no caso do mano, ele teve muito mais
sorte. E tudo quanto lhe restou ferido do episódio foi o seu próprio orgulho.
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