Crônica da semana/ PRÍNCIPE DANILO
Wagner Fontenelle Pessôa
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Nos tempos da minha
"infantilidade", como diria o Vicente Matheus — aquele velho ex presidente
do Corinthians, que se notabilizou pela enormidade das bobagens que pronunciava
— não havia esse negócio de menino usando os cabelos mais compridos, como
costumamos ver de algumas décadas para cá. O corte da garotada era feito, na
maioria quase absoluta dos casos, com a máquina zero. E, depois dele, só
restava mesmo aquele topete ou pouco mais, na parte superior da cabeça.
A
razão disto era dupla: a praticidade para o asseio dos moleques e, de outro lado,
a economia com os honorários dos profissionais da tesoura, pente e navalha. E
por isto era comum ouvir dos pais, mas, sobretudo, das mães, quando mandavam o seu
filho ao barbeiro:
— Vai cortar esse cabelo, menino,
que já está subindo pelas orelhas. Mas fala para cortar bem curto! Está me
ouvindo?
Ouvindo, nós estávamos, mas não muito
atentos e, menos ainda, interessados na recomendação. Porque tínhamos, para
esse desinteresse no assunto, três motivos principais. O primeiro deles, relacionado
ao fato de que cortar o cabelo era uma coisa sempre desagradável. Pelo tempo de
espera no salão para o atendimento pelo profissional e porque, invariavelmente,
a gente retornava da barbearia com a gola da camisa cheia de cabelos. E aquilo
espetava o pescoço de uma forma irritante.
O segundo é que, justamente por
conta desses cabelos, grudados à roupa e ao corpo, ao chegar de volta à casa,
seríamos mandados imediatamente para o chuveiro, o que significava subtrair
mais tempo ainda das nossas brincadeiras. E o terceiro era aquele corte,
chamado pelos profissionais de "Príncipe Danilo", que costumava fazer
a diferença entre os meninos e os homens.
Naquela
época, os adultos do
sexo masculino não usavam aquele corte tão exagerado. O
seu cabelo era para cobrir a cabeça toda. Enquanto os meninos usavam aquele estilo
quase raspado, que os deixava, por certo, com cara e jeito mais infantis. E
quando, além de tudo, o menino tinha a pouca sorte de ter uma cabeça ao estilo
cearense, como a minha, a desgraça era completa.
Diante de tais circunstâncias, certa
vez, descumprindo as recomendações de praxe, no momento em que me sentei na
cadeira da barbearia, eu disse ao profissional:
— Corta embaixo, mas deixa o meu
cabelo mais cheio na parte de cima, por favor, que eu não quero ele muito
curto.
O profissional, certamente acostumado
com dois tipos de corte — o dos adultos e o "Príncipe Danilo", dos
meninos — não estava preparado para aquilo que eu pedia. Então, fez o seguinte:
deu uma rápida aparada na parte de cima e atacou de máquina zero na parte de
baixo, deixando aquele degrau, entre um corte e outro.
Bonito não há de ter ficado, embora,
acostumado a sair da barbearia quase totalmente tosquiado, eu me achei o
máximo, com aquele novo estilo! Começava, no meu entender, a usar um corte
menos infantil. Foi o que entendi, mas não foi o que entendeu a minha mãe, que,
com justificado espanto disse, assim que me viu entrar pela porta:
— Que diabo de corte de cabelo é
esse, menino?! Quem fez essa coisa esquisita na sua cabeça?!
Ainda tentei defender meu novo
corte, mencionando o nome do estilo, para impressioná-la:
— Mas mamãe, é o "Príncipe
Danilo"!
Objetiva como costumava ser, no
entanto, ela desfez o meu argumento com um único golpe:
— Que "Príncipe Danilo"
coisa nenhuma! Você está parecendo é o "Príncipe Arariboia"! Volte já
para a barbearia e mande cortar o seu cabelo direito!
Lembrando dessas coisas, tantos anos
depois, vejo que a minha mãe acertou na crítica, mas errou na tribo. Porque
Arariboia, o fundador da cidade de Niterói, pertencia ao grupo tupi e o meu
corte de cabelo me deixava era com o estilo do grupo xavante. Aqueles índios
que colocam uma cuia na cabeça e cortam o que sobrar de cabelo para fora dela.
Falando sinceramente, eu fiquei
mesmo foi com a cara de um índio xavante. E não desse tal "Príncipe
Danilo", que, na realidade, nem foi príncipe, mas apenas um jogador de
futebol.
Um comentário
Muito interessante. PESAVA que o tal corte a lá Príncipe Danilo tivesse a ver com algum príncipe europeu, mas recentemente soube que o inspirador do tal corte foi um jogador de futebol.
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