Crônica da semana/UM CERTO CORONEL DIÓGENES
Wagner Fontenelle Pessôa
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Lá
para as bandas do Jaguaribe, no interior do Ceará, há uma família muito conhecida
e respeitada, que nos tempos do falecido "Coronel Zé Diógenes" — de
nascimento, José Diógenes Maia — comandava economicamente toda a região, que ia
da fronteira com o Rio Grande do Norte até a localidade onde passa o Rio
Figueiredo.
Mas além do poder econômico e
político, os Diógenes também se notabilizaram por outra peculiaridade: era uma
família danada de brava, dada a resolver suas desavenças com os desafetos de
forma não muito pacífica. Há, inclusive, o registro de um famoso desarranjo nas
relações desta com outra família, que marcou a região com o sangue dos que,
tanto de um lado quanto de outro, foram silenciados pelo argumento das armas.
Deste modo, mesmo que não se possa
atribuir a todos os membros do clã essa natureza violenta, é certo que, em
várias e sucessivas gerações da família, houve muitos Diógenes que ajudaram a
manter sua fama de gente rusguenta e dada a uma rixa. Não é de estranhar,
portanto, que tenha havido em sua linhagem um outro "coronel", aí entre
os
anos 50 e 60, que era um velho danado de tinhoso, muito chegado a resolver
suas pendências com a prestimosa colaboração de uns pistoleiros, que mantinha a
seu serviço.
Pois dizem os contadores de
histórias daquela região que, certa vez, esse mesmo "Coronel
Diógenes" ia dirigindo a sua picape Willys — que era a camionete predileta
de nove entre dez proprietários rurais daqueles tempos — quando, chegando a uma
porteira, ali estava parado um caboclo. Na ocasião, o fazendeiro transportava
uns quatro jagunços, também conhecidos na área. E foi em razão disto que,
enquanto fazia a gentileza de lhe abrir a passagem, o homem perguntou:
— Bom dia, coronel! Posso deixar a
porteira aberta para quando o senhor voltar ou vai se demorar um pouco?
Sem entrar nos detalhes, o velho
respondeu, dando um tom de simplicidade ao que, provavelmente, iria fazer:
— Demoro, não. Vou só ali, prá
"fechar um acordo" e volto já...
Aquele deveria ser um "acordo"
fácil de arrematar, pelos acompanhantes que o coronel conduzia na caçamba da
picape! De tal forma que o autor da indagação, não lhe perguntou mais nada e,
por via das dúvidas, deixou mesmo a porteira aberta, que era para não dificultar
o retorno do fazendeiro.
Deu-se que, algum tempo depois, por
força de alguma decisão ou sentença que lhe fora desfavorável, esse mesmo "Coronel
Diógenes" mandou foi matar o juiz da cidade. E, uma vez feito, tratou de
desaparecer da região, porque, mandando atirar em quem não devia, ficou na mira
da polícia e da justiça. Ou, pelo menos, foi essa a versão que cuidou de fazer
espalhar.
Assim, todas as vezes em que a
polícia mandava os seus agentes à sua fazenda para procurá-lo, tudo o que a sua
mulher — que lá permanecera com os filhos — repetia aos emissários, era a mesma
informação:
— Sei por onde ele se encontra, não!
Faz mais de ano que viajou e nunca nem deu notícia de por onde anda.
A suspeita, no entanto, era a de que
o coronel se acoitara em algum ponto da sua enorme propriedade, de onde
continuava a comandar a administração da mesma. Porque, aparentemente, tudo estava
funcionando por lá, do mesmo jeito de sempre. Um delegado obstinado lhe fez
campana, esperando que o procurado aparecesse e com a decisão tomada de metê-lo
na cadeia. Mas nada do homem se mostrar na luz do sol!
Só
que, decorrido um tempo, a mulher do coronel apareceu de bucho cheio e, na época
certa dos nove meses, nasceu a criança. Passou-se mais um ano e a mulher do coronel
estava trazendo à luz outro filho. Aí o delegado teve quase a certeza de que o
coronel Diógenes andava escondido era lá pela fazenda mesmo. E mandou intimar a
mulher dele, a quem apertou pelo destino do marido.
Indagada, ela respondeu o de sempre:
que não sabia; que tinha bem dois anos que o marido havia sumido de casa e
nunca mais voltara. Pois foi aí que o delegado a contestou:
— Como assim, criatura? Como é que não
sabe do paradeiro do seu marido, se todo ano a senhora bota um filho novo no
mundo?
Sem se dar por apanhada, a mulher do
coronel escorregou da pergunta:
— Oxente! E, por acaso, só existe um
homem no mundo?
Sendo o "Coronel Diógenes"
quem era, difícil acreditar que, mesmo com uma ausência tão prolongada, a sua
mulher tivesse tido a coragem de lhe pregar um par de chifres na testa! Ou que
houvesse encontrado algum homem que se atrevesse a tanto. Mas, sem ter como efetuar
a prisão do procurado, o delegado se vingou do desapontamento, fazendo constar,
nos autos da investigação, que o coronel era corno.
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