Crônica da semana: COM DUAS DE VOCÊS, NADA...

Wagner Fontenelle Pessôa 
Até uma certa fase da vida, os jovens guardam aquela impressão de que a juventude traz consigo o atributo da eternidade. Carregam a ingênua sensação de que serão jovens para sempre, imunes ao processo de envelhecimento a que todos os seres vivos estão sujeitos. E alguns devem imaginar que as pessoas mais velhas, sobretudo as que estão além da geração de seus pais, são alguma espécie de extraterrestres, que já chegaram a este planeta na chamada terceira idade.
            Porém, esta concepção equivocada, sobre como e qual é o ciclo vital ao qual estamos inexoravelmente submetidos, é desculpável. Porque a compreensão de que a nossa passagem por aqui é uma sucessão de etapas — e que todos passaremos por elas — é algo que só com a maturidade percebemos
de maneira apropriada. As crianças não cogitam sobre isto e os adolescentes acreditam na fantasia de que permanecerão para sempre nessa fase da vida. Imaginam que serão eternamente jovens, o que se explica pelo simples fato de ainda não haverem vivido o bastante.
            Isto traz perceptíveis consequências na maneira como as diferentes gerações se relacionam. Desde a impaciência demonstrada pelos mais novos em relação às limitações dos mais idosos (a falta de agilidade física, os lapsos de memória e aquele traço característico, que é a repetição das histórias já contadas), até as pilhérias alusivas às ditas "caduquices" dos avós, que podem nem ser engraçadas, mas apenas o indício de alguma coisa que não tenha graça nenhuma. Como a terrível doença de Alzheimer ou a simples evidência de uma profunda solidão.
            A parte boa desse contexto, apesar de tudo, há de estar no fato de que algumas pessoas, realmente, conseguem envelhecer bem demais! Mesmo que a minha mãe, num exercício de ironia (ou, talvez, de auto-policiamento), costumasse dizer: "Precisamos ter cuidado com o passar do tempo, porque, quando ficamos mais velhos, não apuramos as nossas qualidades, mas, normalmente, acentuamos os nossos defeitos". Acho divertida a observação dela, mas não creio que a mesma se aplique a todo mundo.
            Existem idosos com quem conviver é um verdadeiro deleite! Seja pelas histórias que nos contam — muitas vezes, com riqueza de detalhes — ou seja pela forma lúdica e bem humorada com que lidam com os fatos e circunstâncias da vida. Ainda que esses fatos e circunstâncias lhes sejam adversos.
            A propósito, foi isto o que fez aquele velhinho, sentado no banco de um ponto, à espera do seu ônibus, em horário de pouco movimento, bem no meio de uma tarde. Daí a pouco, ali chegaram duas periguetes, provavelmente, vindas de alguma academia de ginástica, pela forma como estavam trajadas, de um jeito chamativo, com malhas coladíssimas ao corpo, que evidenciavam suas formas protuberantes, suas curvas e reentrâncias, tanto acima, como abaixo da linha do Equador.
            O homem, que era idoso mas não era cego, embora procurando ser discreto, deitou sobre uma e outra aquele olhar de vontade reprimida, que todas as mulheres conhecem bem. Buscou, no entanto, manter a dignidade, por ser a única coisa que lhe convinha. Não disse nenhuma palavra, ainda que, aqui e ali, arriscasse um novo e disfarçado olhar na direção das duas, que conversavam de maneira ruidosa, riam e se movimentavam de um jeito algo provocativo, embora parecessem nem haver tomado conhecimento da presença do passageiro, à espera do seu ônibus.
            O fato é que elas haviam percebido, sim, tanto a presença dele, quanto o seu olhar de encantamento à distância. E estavam achando divertido instigar o pobre homem. Até que uma delas, piscando o olho para a outra, resolveu ferir mais fundo aquele desejo refreado, perguntando ao velhinho:
            — E aí, tio? O que você faria se tivesse à sua disposição duas mulheres, assim como nós?
           Surpreendido pela pergunta direta, ele compreendeu a indagação provocativa e zombeteira. Pensou um pouco e respondeu:  
            — Com duas de vocês? Acho que eu não faria nada...
            As garotas se abriram numa estrondosa gargalhada, certas de que divertir-se com as impossibilidades daquele idoso era algo por demais engraçado, sobretudo, quando ele próprio estava admitindo a situação. Mas foi neste momento que homem concluiu o que estivera pensando:
            — Agora... Se eu tivesse umas cinco ou seis como vocês duas, aí já daria até para montar um bordel!

            Diante da inesperada resposta, o que a princípio parecera tão engraçado, passou a não ter graça nenhuma para as duas periguetes. E esta é outra coisa que, aliás, só se aprende com o tempo e a experiência: é melhor não mexer com quem está quieto. 

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