Crônica da semana/ QUE VÍCIO HORRÍVEL!
Wagner Fontenelle Pessôa |
Não há
ninguém, nem mesmo o fumante mais inveterado, que consiga encontrar argumentos
consistentes ou que possam ser levados a sério, para fazer a defesa do
tabagismo. O hábito de fumar só pode ser compreendido por duas alegações, que o
explicam, mas não o justificam: "fumo porque gosto" e "fumo
porque não consigo me livrar do cigarro". Não se pode ir além delas, porque
ninguém haveria de passar um atestado da própria estupidez, declarando que fuma
porque o cigarro lhe é benéfico à saúde.
Em qualquer das hipóteses, no
entanto, o caso é de dependência química confessa, da qual, em situações
extremas, o fumante só se verá livre por meio de uma terapia adequada. Já
passei por isto — não pela terapia, mas pela experiência de ser um fumante
compulsivo — e sei que livrar-se desse hábito não é muito fácil. Por isto mesmo,
não faço parte daquele time de ex fumantes que costumam aporrinhar os amigos e
conhecidos que ainda estão presos pelos grilhões do tabagismo.
Reconheço, no entanto, que a minha experiência
como fumante foi menos tormentosa do que aquela vivida pelos fumantes de agora.
Porque o uso do cigarro, quando deixei de fazê-lo, ainda não era tão rejeitado
e nem tão reprimido pela sociedade e pelos legisladores. Não havia uma
consciência tão clara e declarada de que os malefícios pelo fumo vão além dos
que fazem uso dele, para atingir, também, os que se encontram à sua volta.
Em tempos anteriores aos de minha
geração, a ignorância sobre este assunto era maior ainda. Fumar era uma prática
considerada de "bom tom", que dava um ar de severidade aos homens e
de faceirice — ou de coqueteria, como
se dizia antigamente — às mulheres. Se alguém duvida, basta assistir a uns
filmes mais antigos, para fazer essa constatação.
Hoje, ao contrário, as limitações ao
hábito de fumar são muitas e tendem a ampliar-se. Embora o cigarro continue a
ser uma droga cuja venda é liberada e o consumo é permitido. Há muito mais tempo,
no entanto, já havia uma certa intolerância e alguma
restrição ao uso de dois
tipos de fumo em ambientes fechados, pela intensidade do odor que exalavam,
embora não fossem propriamente proibidos: o cachimbo e o charuto. E foi em
razão disto mesmo que se deu o ocorrido, que agora me veio à lembrança.
Certa vez, estavam num restaurante
dois alegres rapazes — daquele tipo mais suave e delicado, com gestos lânguidos
e especiais meneios de corpo — quando, quando
numa mesa ao lado da sua sentou-se um sujeito estabanado, que já foi arrastando
a cadeira de modo ruidoso, gritando pelo garçom e chamando sobre si a
atenção de todos que estavam à sua
volta. Um óbvio exemplo de alguém que tem dinheiro, mas não tem o mínimo de
educação social.
Passado o tempo regulamentar, veio o
prato que escolhera e que ele atacou, evidenciando a sua falta de modos e
falando alto ao telefone enquanto comia, como se todo mundo estivesse
interessado na sua conversa. Ao terminar, gritou para o garçom, como se
estivesse nalgum botequim de quinta categoria, que lhe trouxesse um café e a
conta. E, ato contínuo, tirou do bolso um charuto e o acendeu, enquanto outros
clientes, nas proximidades, ainda estavam almoçando.
Quando o cheiro do "havana"
se espalhou pelo ambiente, um dos rapazes, incomodado pela situação, voltou-se
para o "casca grossa" e, escorando as mãos nos quadris, registrou o
seu protesto, esticando as sílabas em algumas palavras:
— Nooooooossa! Mas que vício horríííííííííííível
é esse que você tem!!!!
Com uma expressão de poucos amigos, o
boçal respondeu, lançando uma baforada do charuto na direção do reclamante:
— E esse "vício" que você
tem? Com certeza, acha ele muito bonito, né?!
Depois dessa, o autor do protesto encerrou
a reclamação. Porque certamente percebeu que o "charuteiro", além de
mal educado, era também homofóbico. E com essa gente radical, o melhor mesmo é
não discutir.
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