Crônica da semana/LÍNGUA COM BATATA
Wagner Fontenelle Pessôa
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Tem
gente por aí que encara qualquer porcaria, num botequim dos mais imundos, na
tenda de uma feira ou num mercado a céu aberto, por onde a vigilância sanitária
não costuma passar com regularidade. Em compensação, existem aqueles de paladar
exageradamente sensível, que perdem a vontade de comer, diante de um simples garçom
transpirando mais do que o normal.
Há
quem goste de degustar pratos exóticos e quem torça o nariz para qualquer
cardápio que vá além do "trivial variado". Até aí, é só uma
questão de preferência. Mas, sabem aquelas pessoas que têm nojo de tudo, existindo ou não existindo motivo para isto? Pois conheço e conheci várias desse tipo!
questão de preferência. Mas, sabem aquelas pessoas que têm nojo de tudo, existindo ou não existindo motivo para isto? Pois conheço e conheci várias desse tipo!
Tive um tio, por exemplo — que,
agora, está degustando no refeitório do Além — que parecia um desatinando,
examinando o próprio prato, em qualquer casa ou restaurante onde fosse almoçar
ou jantar, para ter a certeza de que não havia nenhum cabelo (dele mesmo ou, principalmente,
de outra pessoa) em sua comida. E assim, confirmando a popular crença de que
"quem procura, acha", todo fio de cabelo que houvesse de aparecer na
comida, durante uma refeição, era no prato dele que aparecia.
Bastava
isto para que perdesse o apetite. Abandonava o prato, interrompia a refeição e,
do que estava à mesa, não comia mais nada! Reclamava "que nem pobre na
chuva" e vociferava indignado contra o "ex possuidor daquele fio
capilar", embora sem saber e sem ter como verificar a quem pertencera
aquela evidência, de descuido no preparo ou manuseio da comida.
Com certeza, muitas vezes, o fio de
cabelo encontrado deveria ser dele próprio, como pode acontecer a qualquer um. Mas
esta era uma hipótese que jamais admitia. E houve um dia em que o tio superou
seus limites, na sua aversão por esse negócio de cabelo na comida. Porque meteu
na cabeça que aquilo que encontrou em seu prato, enquanto almoçava num
restaurante, não era um cabelo comum; era um pelo pubiano.
Inimaginável, para qualquer pessoa normal,
supor que o cozinheiro houvesse preparado o seu pedido plantando bananeira e nu
da cintura para baixo, única possibilidade de deixar cair algum fiapo do
"tipo obsceno" em sua comida! Mas, para ele, o que se conhece como
raciocínio lógico não tinha nenhuma importância, quando ativada a sua paranoia contra
esse negócio cabelo no prato! Na minha família, aliás, isto não chega a ser um
caso raro. Deixo de mencionar outros parentes portadores de idêntica neurose,
no entanto, para não melindrar os mais próximos e ainda vivos.
Prefiro cuidar, de forma mais
genérica, das pessoas que têm nojo de tudo ou quase tudo, lembrando aquele velho
e conhecido caso do sujeito que era bem assim: cheio de "não como isto e
só como aquilo. Apesar do que costumava se alimentar num pequeno restaurante, a
pouca distância do seu local de trabalho. Tratava-se de um lugar simples, mas
ali tudo parecia bem limpinho e a comida era do tipo caseiro, o que muito o
agradava.
Deu-se que, certo dia, pela hora e
no intervalo do almoço, foi até lá. E, depois de lavar as mãos e sentar-se, dirigiu-se
ao responsável pelo atendimento das mesas:
— E aí, amigo, o que é que tem de
bom para se comer hoje?
Cheio de entusiasmo, o garçom declinou
aquela que era considerada a especialidade da casa, muito apreciada pela
maioria dos seus frequentadores:
— Língua com batata.
O cliente fez uma expressão de nojo,
rejeitando a sugestão:
— Você tá maluco?! Acha que eu vou
comer uma coisa que sai da boca de um animal? Com batata ou sem batata, eu não
como isso é de jeito nenhum!
Visivelmente decepcionado, o garçom perguntou,
já sem tanto ânimo:
— O senhor é quem sabe... E o que vai
querer comer, então?
Depois de pensar um pouco, o freguês
decidiu:
— Bem... Acho
que eu vou comer um bife com dois ovos.
De fato, para quem não comia nada
"que saísse da boca de um animal", dois ovos não deixa de ser uma escolha
apropriada.
Um comentário
KKKK... Muito bom.
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