Crônica da semana/POR DOIS MOTIVOS



Wagner Fontenelle Pessôa

Pior do que um ignorante metido a sabido, é um ignorante metido a sabido e ainda pernóstico! Ou, como costumava dizer a minha mãe, "pior do ouvir alguém dizendo besteira é ouvir alguém dizendo besteira com ares de pedantismo". Porque, com efeito, isto torna o ignorante ridículo. E tendo tal circunstância como tema, eu me lembro de algumas coisas que a irritavam muito. Como, por exemplo, ouvir alguém dizendo, com a pretensão de estar sendo elegante no modo de falar: "Eu não faço "questã", disso ou daquilo"...

            Depois que a criatura se ia, ela
comentava, impaciente:

            — Gente, a palavra "questão" não tem feminino! Será que isso não dói no ouvido desse povo?

            Na verdade, não doía, como ainda não dói. Porque continuam a existir pessoas que tratam a "questã" da gramática e da ortografia com um certo desapego. Ainda mais depois que o MEC, motivado por um entendimento marcadamente ideológico,  instituiu, no país, a regra de que tudo é válido no
uso do idioma. E, partindo do princípio que língua é um elemento dinâmico na cultura de uma sociedade, validou o conceito de que falar e escrever de forma correta ou grosseiramente incorreta, são, apenas, formas diferenciadas de comunicação e expressão.

            Contudo, não imaginem, os mais apressados, que tal entendimento seja mera desculpa dos analfabetos — em sentido amplo ou estrito — graças aos que já passaram pela presidência da República nos últimos governos. Ou de seus assessores diretos, no sentido de justificá-los. Já ouvi a defesa dessa aberração de professores universitários na área da Linguística e — pasmem! — com mestrado e doutorado no assunto. Mas que eram, obviamente, eleitores e militantes dos tais presidentes aos quais me refiro.

            Voltando ao foco principal destas linhas, no entanto, quero mesmo é tratar das pessoas que, além de dizerem inomináveis besteiras, ainda o fazem de um jeito afetado, como se estivessem pronunciando algo que devesse ser levado a sério ou que alguém pudesse levá-los a sério, em relação ao que dizem. E, ao pensar nisto, o que logo me vem à lembrança é a figura de um bedel que havia no Colégio Batista "Santos Dumont", em Fortaleza, onde concluí o curso Colegial Clássico, que era o escolhido pelos que pretendiam seguir carreira na área das ciências jurídicas e humanas.

            O tal inspetor de alunos, que se julgava espertíssimo, era um especialista em dizer as maiores bobagens com ares de sabedoria e conhecimento. Dizia as coisas de uma forma "empolada", que, à maioria dos alunos, não convencia e só fazia rir. Mas ele não se dava conta disso. Tinha um cacoete de ajeitar o nó da gravata (porque, naqueles tempos, os bedéis trabalhavam usando gravata e camisa social), sempre que ia pronunciar alguma de suas inomináveis besteiras.

            Pois num período em que a Serra do Pereiro, no interior do Ceará, andou registrando uns tremores de terra, a direção do Colégio Batista disto se aproveitou para providenciar a palestra de um geólogo, à guisa de orientação profissional para os alunos, mas também para nos dar informações sobre aquele fenômeno, que a todos surpreendera. Fomos todos mandados para o auditório e, uma vez acomodados nas poltronas, apenas os inspetores ficaram circulando pelos corredores, para a garantia da ordem e da disciplina.

            Apresentado o palestrante, o homem começou a sua locução, muito interessante por sinal, para quem pouco ou nada sabia da ciência geológica, como eu. Falou sobre as generalidades da profissão e, para abordar o assunto que mais nos interessava — os tremores de terra na Serra do Pereiro — fez uma pergunta de caráter meramente retórico, à qual ele mesmo responderia, como parece evidente, já que naquele auditório era o único a saber dessas coisas:

            — Por que a terra treme?

            Mas antes que o geólogo nos desse a resposta, o tal inspetor, que ia passando por perto de onde estávamos, ajeitou a gravata e, com ares de quem pronunciaria uma verdade científica, tascou:

            — Só pode ser por dois motivos... Sezão ou frio!

            Naquele dia, foi necessário segurar o riso, porque o bedel, sempre pronto a dizer uma besteira com pedantismo, superou a si mesmo. Êta sujeitinho boçal!

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