Crônica da semana/DECOLAGEM MAL SUCEDIDA
Wagner Fontenelle Pessôa
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Há
muitos anos tive um cliente a quem assisti num processo de divórcio e a quem,
como acontece com alguma frequência aos profissionais do Direito, também acabei
me afeiçoando no plano pessoal. Não sei se pela sua natural expressão de
"maior abandonado e perdido no mundo" ou se em decorrência da
admiração que eu lhe devotava, pela maneira estoica como suportou, durante
vários anos, a galhada que a mulher lhe plantava na testa. Por isto ou aquilo,
acabamos ficando amigos.
Ocorre que, embora já devesse estar
preparado para a fase do pós-divórcio, com a consumação deste, começou a dar
provas de que ficara meio perdido na vida e em suas rotinas domésticas. Não
sabia, por exemplo, se ainda precisava fazer algum barulho antes de girar a
chave na fechadura, ao entrar em casa. Além de outras pequenas coisas, de
idêntica natureza. Porque, se é verdade que "o uso do cachimbo põe a boca
torta", como dizem, o uso dos cornos deixa um pobre homem ressabiado por
algum tempo. Não é para sempre, porque o chifre, como dizem os mais versados no
assunto, é que nem dente: só dói para nascer, mas depois o cara se acostuma.
Mas foi no capítulo dos novos
relacionamentos que o meu cliente, com
certeza, encontrou os maiores obstáculos
a transpor. Ele não levava muito jeito para o tal jogo da sedução e também não
tinha lá muita malícia nesse particular assunto. Porque uma coisa é estar
disponível quando se é um garotão; outra, bem diferente, é ir à luta quando se
está na meia idade. Já que esta última é uma fase em que as exigências e
expectativas do "mercado consumidor", digamos assim, passam a ser
muito maiores.
Foi em decorrência disso, portanto, que,
passado algum tempo de findo o seu processo, certa vez me procurou no
escritório, dizendo que precisava de uma orientação "não jurídica". E
me contou de uma nova vizinha, no prédio em que morava, além de acrescentar que
estava "rolando um clima" entre eles. Disse que convidara a moça para,
no próximo final de semana, tomarem um vinho no apartamento dele e viera pedir
umas sugestões sobre marcas e acompanhamentos, porque queria recebê-la em alto
estilo, para causar uma boa impressão.
A criatura, que coincidentemente eu
conhecia, por ser gerente de uma loja num grande shopping da cidade, pela forma
como se produzia e pelas pessoas com quem se relacionava, de fato, deve tê-lo
impressionado bastante. Do pescoço para cima, nem tanto! Tinha uma fisionomia
meio estranha (daquele tipo que não sabemos se está sorrindo ou se vai nos morder)
e uma voz anasalada, feito aquele personagem "Nanny", do conhecido
seriado da tevê. Em compensação, da cintura para
baixo, a mulher era uma escultura, cujos detalhes eu me privarei de descrever,
para não desvirtuar o propósito dessas lembranças.
Para um homem recém saído de um
casamento e estando o cidadão "na febre do rato", não haveria nenhuma
utilidade em considerar as imperfeições da moça, mas apenas suas virtudes,
certo? Por isto, ele queria fazer uma boa figura. Eu lhe dei duas ou três
opções de vinho branco seco — importados, de boa qualidade, mas não muito caros
— além de sugerir-lhe uma tábua de queijos ou de frios, indicando a adega e uma
ou duas lojas do tipo "delicatessen", onde eu tinha certeza de que as
tábuas seriam preparadas com capricho e qualidade. E quando ele se foi, com uma
expressão agradecida, eu lhe desejei sucesso na decolagem e a mais completa
satisfação dos passageiros na aterrissagem desse voo inaugural.
Passaram-se alguns dias, até que eu
o visse novamente. Ele foi logo falando na excelência do vinho que eu lhe havia
sugerido, que ele não conhecia até então. E mencionando a qualidade da tábua de
frios que mandara preparar, para acompanhar os rapapés e salamaleques da grande
noite. Mas não resisti em perguntar sobre o principal tema da pauta, para
aquele planejado fim de semana.
Meio sem jeito, ele me explicou:
— Foi muito legal, não... Fiz tudo conforme o
sugerido, tomamos aquele vinho delicioso e a conversa foi ficando mais solta.
Aí, quando a garrafa já chegava ao fim, eu comentei com ela: "Que vinho
bom esse, né?! Eu nunca bebera dele, mas foi um amigo quem me sugeriu"...
Eu ainda estava sem entender no que
isto teria atrapalhado a sua noite, quando ele completou a explicação:
—
Foi aí que ela me disse: "É bom sim... Mas, bom mesmo, é um vinho que eu
tenho lá em casa! Se você quiser, eu vou buscar"... Concordei, ela foi e
voltou. Com um garrafão daqueles de cinco litros, já aberto e consumido até a
metade, de vinho "Galiotto". Tinto e doce, daqueles de doer na
articulação da mandíbula!
Fiz o que pude para segurar o riso e
não cheguei a perguntar sobre as intimidades do casal naquela noite, para não parecer
indiscreto. Mas nem creio que fosse necessário, porque, com uma aeromoça
refinada dessas, não há aeronave que se sustente no ar! E a dele, pelo visto,
nem mesmo se ergueu da pista...
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