Crônica da semana/ UMA CONVERSA MUITO CHATA!

          Wagner Fontenelle Pessôa               
Todo mundo conhece alguém cuja conversa é insuportavelmente chata. E os menos afortunados conhecem, não apenas uma dessas pessoas, mas várias delas. Principalmente, porque esses tais chatos carregam a característica adicional de não perceberem que a sua presença não traz nenhuma alegria ao grupo (ou grupos) que insiste em frequentar. Porque, como dito, a sua conversa é um pé no saco!
            O chato autêntico é aquele sujeito , metido a piadista, mas que não sabe contar nenhuma piada. E que começa o enredo da anedota pelo final, estragando o clima, a surpresa e, com muita frequência, a paciência de quem ouve também. O cara acaba de ouvir uma novíssima e a reconta, como se ela tivesse cem anos! Ou, pior ainda, adianta o final da história alheia, quando alguém começa a contar um caso.
            Mas, nem só de péssimos contadores de piadas — aqueles que não possuem o "timing" para isto, mas insistem em contá-las — está formada essa categoria de gente. Existem pessoas cuja conversa, os assuntos do seu interesse, a forma como sequenciam suas narrativas ou explicações, são tão desinteressantes e cansativas que podem, sem nenhum favor, figurar nesse "Tratado Geral dos Chatos".
            A eles, os que são obrigados a suportá-los costumam dar apelidos engraçados, que identificam e evidenciam a sua condição de inconvenientes habituais: "desmancha bolinho", "gangorra" (porque, quando se sentam numa ponta do banco, todo mundo se levanta na outra) e o mais usado deles, que é o popularíssimo "mala sem alça". Além de outros, é claro!
            No entanto, a condição de "chato" não é um atributo exclusivamente individual. Embora em toda família sempre se encontre aquele tio, primo, irmão ou cunhado cuja
conversa é maçante e sem graça, há situações em que a chatice é quase uma característica genética. Ou seja, há famílias em que a chatice é um traço comum aos seus membros. E na cidade em que eu moro há uma família que, com muita frequência, é identificada e reconhecida exatamente por esta razão.
            É provável que os membros desse clã não se deem conta disso, tanto quanto é possível que nem percebam essa deplorável característica, uns nos outros. E, digo mais, são pessoas inteligentes e que costumam sair-se bem na atividade acadêmica e profissional. Mas são todos tão chatos, que não se faz necessário mais do que uma meia hora de conversa com alguns deles — ou com a maior parte deles — para você pretextar um motivo qualquer e cair fora.
            Mesmo assim, existem na família à qual me refiro, aqueles que se sobressaem, por serem aquilo que o meu tio Wagner costumava classificar como "flor de chato". Isto é, a manifestação mais apurada da própria chatice. E foi um desses que protagonizou uma história, que seria trágica, se não acabasse sendo cômica.
            O cara viajava, do Rio para Campos, num ônibus desses de dois andares, ao lado de um pobre homem, que não sabia onde se metera, ao comprar, justamente aquele lugar, ao lado de um "sem noção" dessa família. Durante a viagem o "mala" não fechou a matraca, falando de coisas que, com certeza, não deviam ser lá muito interessantes para o interlocutor. Mas, já se aproximando do destino, o motorista perdeu a tangência da curva, na entrada de uma ponte, chocou-se conta a sua amurada e caiu dentro do rio Ururaí.
            Morreu gente afogada e teve outro tanto de feridos. Foi um negócio sério! Mas o chato da história — digamos que se chamasse Gilberto — conseguiu sair do veículo afundando. E consta que, ao chegar à superfície, percebeu que o seu companheiro de viagem ainda estava lá dentro. Parece que retornou ao ônibus acidentado e ajudou o cidadão a safar-se de morrer afogado.
            Ficou, por isto, citado como herói pelos que souberam do detalhe, mas, tempos depois, um dos seus colegas de trabalho me disse, em tom de confidência e com cara de deboche:
            —  O que aconteceu não foi isso que contaram. E nem teve heroísmo nenhum! Na verdade, o Gilberto vinha conversando com o cara, desde que saíram do Rio de Janeiro. Na hora do acidente, quando o ônibus caiu no rio Ururaí, o rapaz já estava com o saco totalmente cheio! Pois, desse jeito, quando caiu na água, ele boiou!

            Isso é que foi uma conversa danada de chata!

Nenhum comentário