Crônica da semana/ UMA FORMA ORIGINAL DE DIZER AS COISAS
Wagner Fontenelle Pessôa |
Houve um tempo, que já se vai longe,
em que a virgindade nas mulheres era considerada uma importante referência de
valor moral e social. Uma "mulher decente" precisava chegar virgem ao
casamento, porque era nisto que consistia, aos olhos de uma sociedade
conservadora, a integridade e a respeitabilidade das "moças de
família", como se dizia então. Uma exigência prá lá de fingida porque, nos
bastidores dessa encenação de conduta imaculada — como bem dizia a minha bisavó
Michol — as pessoas faziam o que sempre fizeram. Só que com muito mais
hipocrisia.
Era
por esta razão que, de vez em quando, alguém "comia a merenda antes do
recreio". E, dependendo do "status" da garota, o jovem que
fizera incursões nesse terreno convidativo, mas traiçoeiro, acabava diante de
um padre ouvindo aquela sentença do "até que a morte os separe".
Sob
a ótica da noiva, esta era a solução perfeita, para pôr fim às suas apreensões.
Ao contrário disto, porém, a moça ficava num sufoco terrível, quando o autor da
façanha punha o pé na estrada e, não tendo resultado nenhuma gravidez dos
momentos mais divertidos, ela enfrentava, sozinha a perda da virgindade, em
confronto com a esperança de um futuro casamento.
A
propósito disto, há um município no interior do Rio de Janeiro que, nesses
tempos de antigamente, passou mais de trinta anos sem ter nenhum crescimento
populacional. E a explicação para isto se encontrava, exatamente, nessa
natureza de problema: cada vez que nascia uma criança, um rapaz fugia da
cidade! O povo de lá não acha muita graça nessa brincadeira, mas é o que dizem.
Pois
sendo assim — diante da perda do que era considerado o símbolo de sua
pureza —
ficavam as meninas, desvirginadas fora do matrimônio, a rezar para que lhes
aparecesse um outro pretendente. Bastante liberal, para não fazer objeção ao
seu pequeno infortúnio ou bastante inexperiente, para não perceber a diferença
que separa a mulher virgem do marido touro. O problema era que, algumas vezes, ela
apostava na segunda hipótese, mas o noivo não era tão inocente quanto a noiva gostaria
que fosse.
Foi
o que se deu com a filha de um rico fazendeiro na região do Agreste
Pernambucano, que perdera o seu "selo de garantia" com um namorado,
ao tempo em que estivera estudando em Caruaru. Aquilo não deu em nada e a
menina voltou a morar na fazenda, sem saber se a sua experiência inaugural iria
interferir ou não nos seus sonhos de, algum dia, ter marido e filhos.
Tempos
depois, começou a cortejá-la o filho de um outro proprietário da região, cujo
interesse foi por ela correspondido. A atração virou namoro, que virou
compromisso e redundou em casamento, para a alegria das duas famílias. Sobre
aquele pequeno detalhe, a noiva nunca disse nada ao futuro marido, na esperança
de que, no ímpeto do desejo — , contido durante os meses de noivado e
extravasado na noite de núpcias — o rapaz nem se desse conta de que, naquele
terreno pretensamente inexplorado, já haviam transitado "entradas e
bandeiras".
Após
um casamento pomposo, de rica e minuciosa preparação, partiram os noivos para a
lua de mel numa linda pousada da Serra da Borborema, onde deveriam passar uns
dez dias. Mas não durou tanto assim. Ao cair da tarde do dia seguinte estavam
os pombinhos de volta. Ele, com o ar abatido de quem fora emboscado pelo
destino. Ela, com o rosto inchado, de quem passara a noite e o começo do novo
dia chorando.
O
constrangimento foi grande, quando o assunto veio ao conhecimento das respectivas
famílias e amigos. Mais ainda, quando, contratado pelo pai do noivo, um
advogado ingressou com um pedido judicial para anular o matrimônio, mediante a
alegação de "erro essencial sobre a pessoa do cônjuge". O pai da
noiva, no entanto, decidiu que não permitiria a desmoralização pública da sua
menina e contratou, de Caruaru, um profissional especializado nessas questões
de família.
A
demanda foi acirrada, com o advogado da noiva tentando evitar a perícia médica
que, certamente haveria de vir, sob a alegação de constrangimento público,
embora o processo corresse em segredo de justiça. Mas, de um jeito ou de outro,
o litígio entrou na fase em que as testemunhas deveriam ser ouvidas. Dentre
elas, um sitiante da região, conhecido por saber de todas as futricas e
maledicências do lugar.
Contudo,
diante dos dois poderosos fazendeiros que se debatiam em defesa dos respectivos
filhos, a testemunha quis evitar afirmações desabridas, como as que fizera
sobre assunto, num certo botequim que costumava frequentar. E, durante a
audiência, indagado pelo juiz da causa sobre o que sabia acerca da separação do
casal, ele tentou ser o menos rude possível, para não se comprometer:
—
Bem, doutor... Saber, mesmo, eu não sei de nada. Mas o que todo mundo ouve
dizer é que na hora do "conseguimento", ele notou um "desfalcamento"...
E
nada mais disse, nem lhe foi perguntado. Mas isso é o que se pode considerar
como uma forma original de dizer as coisas!
Nenhum comentário
Postar um comentário