Crônica da semana- MAL-ENTENDIDO
Wagner Fontenelle Pessôa |
Se existe uma coisa para
desgraçar a vida do cidadão, é o tal do mal-entendido. Por causa dele, muitos
casamentos já se acabaram, muitas amizades já se desfizeram e muita gente já
foi parar na cadeia ou bater nas portas dos tribunais. Sem contar aqueles
arranjaram um olho roxo ou um nariz quebrado, antes de chegarem ao destino que
procuravam, quando se meteram a dizer o que talvez devessem, embora de um modo
que certamente não deveriam ter dito.
É conhecida aquela anedota da pobre prostituta que, por
um desses lamentáveis "acidentes do trabalho" — que, às vezes, lhes
acontece — ficou grávida e já nas últimas semanas de gestação ia pela rua,
quando entrou em trabalho de parto. E foi ali mesmo, auxiliada por alguns transeuntes
que lhe perceberam o momento difícil e tiveram a iniciativa de ampará-la
naquela oportunidade crucial, em que a criança nasceu.
Os que ajudaram a pobre moça de maneira efetiva foram
poucos. Mas os passantes que pararam para assistir a cena, movidos por mera
curiosidade, foram muitos. Como, aliás, sempre costuma acontecer, porque gostar
de bisbilhotar a desdita alheia é um defeito frequente do ser humano. De tal
sorte que, enquanto a parturição se processava em plena via pública, o número
de pessoas em torno da parturiente e dos que a auxiliavam foi aumentando, até
que começou a se transformar num tumulto e a atrapalhar o trânsito dos veículos
também.
Entre os curiosos, um português que — empurra daqui,
empurra de lá — acabou conseguindo chegar bem próximo da cena, o suficiente
para inteirar-se do que causava aquele ajuntamento de gente, que ocupava a
calçada toda e se espraiava pela pista dos carros.
Havendo satisfeito a sua curiosidade, porém, tratou de
sair do meio daquela "muvuca", com o propósito de chegar ao seu
trabalho. E, justamente quando se deslindava daquele amontoado de pessoas, foi que
se viu de frente para dois policiais, que chegavam para intervir no tumulto.
Vendo que o lusitano vinha bem do miolo daquela balbúrdia,
um dos PMs lhe perguntou, já num tom de certa impaciência, imaginando tratar-se
de alguma briga:
— Que bagunça é essa aí?! O que está acontecendo por aqui,
afinal?!
Ao que o português respondeu, com a simplicidade que a
situação permitia:
— Foi a p*** que pariu!
Debaixo de borrachada, foi metido num camburão e levado
para a delegacia mais próxima, pretendendo os policiais enquadrá-lo por
desacato à autoridade.
Mas, se isto pode acontecer durante um período de
relativa democracia, imaginem o que não ocorria ao tempo da ditadura militar,
em que esse negócio de desacato era muito
mais grave e sujeito a consequências
muito mais severas. E foi naquele período, mesmo, que se deu um novo episódio,
em que, por conta de outro mal entendido, alguém se ferrou, em verde e amarelo,
como dizem por aí.
Na
pré-estreia de um filme premiadíssimo com várias estatuetas do "Oscar",
a aglomeração na bilheteria e na porta da sala de projeção era um exagero! Foi
quando um militar de alta patente, tentando obter a precedência para ele e sua
mulher — à qual, de fato, não fazia jus — resolveu dar uma
"carteirada" e se apresentou ao porteiro, enquanto a entrada ainda
não havia sido liberada para os espectadores:
— Eu sou Contra-Almirante!
Sem entender bem o sentido da frase, o porteiro, postado
do outro lado da corrente, aproveitou o ensejo para desabafar suas
insatisfações. E mandou de lá:
— Eu também! Sou contra almirante, contra general, contra
brigadeiro e contra esses milicos todos, que estão montados nas costas do
Brasil!
O resultado é que ouviu um sonoro "teje preso"
e, logo depois, foi conduzido por uma guarnição que o Contra-Almirante mandou
chamar, até a Auditoria Militar da Marinha, na qual o tabaréu foi enquadrado
como suspeito de pertencer a um grupo subversivo.
Com estes e mais alguns outros exemplos, podemos ver que
esse negócio de mal-entendido, de fato, põe a gente em cada precipício, que nem
é bom pensar!
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