Crônica da semana: QUEM RI POR ÚLTIMO...

Wagner Fontenelle Pessôa 
É conhecido e muito popular aquele ditado, segundo o qual, "quem ri por último é quem ri melhor". De minha parte, tenho sérias dúvidas quanto a isto! Inicialmente, porque rindo por último, a gente ri menos tempo que os demais. Por outro lado, porque isso pode evidenciar uma certa falta de sutileza para entender o engraçado ou ridículo da situação. E, além de tudo, pode significar que custamos mais a captar o espírito da situação, que levou todo mundo a rir antes de nós.
            Eu tenho um amigo, muito engraçado, que é um exímio piadista. E foi ele quem, certa vez, chamou a minha atenção para o fato de que uma das coisas mais desagradáveis, para um bom contador de anedotas, é terminar de contar uma história divertida e — diante de um "não entendi" de algum interlocutor — sentir-se obrigado a explicar a piada.
            Com efeito, a necessidade de explicar algo que se acabou de dizer ou contar e que fez com que a maioria dos circunstantes gargalhasse, é o mesmo que matar a anedota e o seu narrador! Até porque o humor que precisa ser esclarecido e justificado, provavelmente, também não terá muita graça para aquele que já não entendeu a anedota da primeira vez. Se não se divertiu com a primeira narrativa, é quase certo que também não irá divertir-se com a explicação. Pois se o caso não for o de uma burrice galopante, certamente será o da pura falta de senso de humor.
            Tive um cliente cuja mulher era bem desse jeito. De vez em quando, se nos encontrávamos em algum almoço ou jantar, ele cometia a inconveniência de insistir para que eu repetisse uma ou outra história que lhe contara no escritório, para que ela ouvisse. Aquilo era sempre muito chato, porque quando a anedota ia pelo meio, o marido, que já
sabia o final, começava a gargalhar. E ela, mesmo finda a piada, ficava olhando para nós dois com aquela expressão de songa-monga, de quem não entendera a graça que o caso tinha. E, invariavelmente, acabava perguntando algo do tipo:
            — Mas, como assim? O que ele (o personagem do "causo") queria dizer com isso?!   
            Na maioria das vezes, o próprio marido se apressava em explicar a anedota à sua estúpida cara metade, o que, por si só, já lhe tirava toda a graça. Isto é, tirava toda a graça da anedota; não daquela palerma. E isto, pelo menos, poupava o meu trabalho de esclarecer a piada, que é, no dizer daquele meu amigo que mencionei ao início dessa conversa toda, o atestado de óbito de uma história bem humorada.
            No entanto, como para toda regra há sempre uma exceção, estou me lembrando aqui de um caso em que esse negócio de rir por último não denotava, exatamente, a falta de senso de humor ou a incapacidade para entender o engraçado da situação. É aquela história de dois sujeitos que se conheceram numa praça pública, quase por acaso — uma praça que frequentavam todas as manhãs, para pegar um pouco de sol — e que acabaram se tornando amigos.
            Um era cego e o outro era surdo. Mas como se sentavam sempre no mesmo banco, à sombra de um caramanchão, com o passar do tempo, acabaram desenvolvendo uma forma própria, pela qual se comunicavam, embora o primeiro não enxergasse o segundo e o segundo não conseguisse ouvir o primeiro. Aos poucos, outros frequentadores da praça passaram por perto e acabou se formando um grupo, que passava as manhãs em animados encontros.
            O cego ia, pelos sinais convencionados entre eles, dando ao surdo as informações sobre o teor da conversas. E o surdo — que era surdo, mas não era mudo —  explicava ao cego aquilo que ele não podia ver, do que se passava naqueles agradáveis convescotes. O problema era quando um dos frequentadores daquela roda contava alguma piada. Porque todos riam, menos o surdo, simplesmente porque não ouvia o que estavam contando. E isto o deixava, ao final da narrativa, com aquele ar apatetado, que nem a mulher do meu cliente.
            Foi aí que os dois amigos desenvolveram um plano, para enfrentar a situação, quando o surdo pediu ao cego:
            — Sempre que alguém estiver contando uma coisa engraçada e quando chegar ao final, você aperta o meu braço, para eu rir também. Depois você me explica a história, mas, assim, pelo menos, eu não fico me sentindo excluído da brincadeira.
            Ficou combinado que assim fariam, mas o problema é que, muitas vezes, quando o eventual narrador da piada chegava ao fim, ainda mais quando a piada era muito engraçada, todos gargalhavam. Inclusive o cego que, só depois disso é que se lembrava de apertar o braço do surdo. E deste modo, apesar do trato feito, o surdo gargalhava sozinho e inteiramente fora do contexto
            Tudo isto serve para comprovar aquilo que foi dito ao início, de que, nem sempre, "quem ri por último, ri melhor"... Muitas vezes, quem ri por último, é porque não tem senso de humor ou porque é retardado. A não ser que seja surdo e tenha um amigo cego, única hipótese em que deve ser desculpado.

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