Crônica da semana: GOSTAVA DE COMPLICAR!

Wagner Fontenelle Pessôa                                         
            Todo mundo conhece ou já conheceu uma dessas pessoas que parecem preferir formas mais complicadas para realizar suas tarefas e fazer as coisas. Em alguns casos, isso pode ser percebido por sutis evidências. Mas noutros, a tendência é tão explícita e tão acentuada, que chega quase ao nível daquilo que os especialistas chamam de "transtorno obsessivo compulsivo".
            Na época da universidade, quando morei numa república de estudantes, tive um colega republicano (e não foi o Donald Trump) que não conseguia passar por uma porta ou portão sem dar um peteleco, com os dedos médio e indicador, em cada uma da laterais do marco ou caixonete pelo qual passasse. Naquele tempo, entendíamos isso como um cacoete e nos divertíamos empurrando o maluco, no justo momento em que ele disparava o piparote no portal.
            Ele reagia como se tivesse perdido as calças no meio da rua e retornava ao ponto anterior, para repetir o seu obsessivo ritual. Mas não protestava e nem assumia a sua compulsão em fazer aquilo. E nós outros, imaturos e desinformados, morríamos de nos divertir com a agonia dele, que supúnhamos ser uma espécie de tique nervoso, sem ter a mínima noção do que se conhece, agora, pela sigla TOC.
            Mas a mania de fazer as coisas pelo jeito complicado, como eu ia dizendo, não se confunde com esse tal de "transtorno obsessivo compulsivo", que a ciência já conhece bem e sabe explicar. Porque o que a caracteriza, ao contrário do que acontece quando a criatura tem um TOC, não é a repetição de atos, mas apenas a escolha de caminhos e métodos mais complexos para realizar as tarefas do cotidiano.
            Não me atreverei a aprofundar esta questão, sob o aspecto científico, mas suspeito que isto também seja um distúrbio para o qual há de existir uma terapia adequada. O que posso dizer é que já testemunhei essa particularidade em algumas pessoas que conheci, por essa vida afora e por esse mundão de Deus. Assim como posso declarar, sob as penas
da lei, que, numas vezes, a convivência com os portadores dessa tendência é muito divertida; noutras, é profundamente irritante.
            Vem daí o caso daquele sujeito que se enquadrava no tipo. Sempre escolhia fazer as coisas, mesmo as mais rotineiras, por uma forma complexa, apesar de carregar, da pia batismal, um nome que deveria levá-lo a ser o inverso disto. Chamava-se Simplício e era o chefe da Seção de Estatística de uma obscura repartição pública. Embora, por ser graduado em Direito, não dispensasse o uso daquele anel que, sob a ótica da sua mediocridade, haveria de atestar aos olhos alheios uma envergadura intelectual que, efetivamente, ele não possuía. Como tantos que há por aí...
            Pois o Simplício cabia direitinho na moldura daquele tipo esquisitão, que parece estar sempre fora do contexto e se caracterizava por essa estranha mania, de fazer as coisas pelo método mais complicado. Se ia entregar um documento, que estava à sua direita para alguém que ficava à sua esquerda, apanhava-o com a mão direita, passava por trás da cabeça para a mão esquerda e, só então, entregava o papel a quem deveria recebê-lo. Se era para jogar um rascunho no cesto de lixo, que ficava num dos cantos de sua escrivaninha, levantava-se, dava a volta pela frente do móvel e ia até onde estava a lixeira para descartar o papel.
            Visto fazendo esse tipo de coisa, poder-se-ia pensar que estava apenas brincando com os circunstantes. Observado a cada dia e todos os dias, ficava a meio caminho entre o divertido e o exasperante, para quem convivia com ele. Houve um dia, porém, em que um colega, chefe da Seção de Comunicação, que ficava ao lado da sua e com quem mantinha boa convivência, resolveu perguntar-lhe sobre aquilo:
            — Simplício, você já percebeu como costuma fazer as coisas de um jeito muito mais complicado do que seria necessário? Isso não é meio cansativo prá você?
            Ele respondeu que, para ele próprio, nada do que fazia parecia complicado, porque já estava acostumado com isso. E indagado sobre a causa daquele seu jeito incomum, explicou que, durante muitos anos residira na casa de um tio solteiro, que era muito metódico e cheio dessas manias. Assim, acabara se acostumando a fazer as coisas do mesmo modo. Foi quando o colega, curioso, tornou a perguntar:
            — Você é casado? Tem filhos? Sua família não se incomoda com esse seu estilo mais difícil de resolver as coisas?
            — Sim, sou casado e tenho um filho. Mas ele e a mãe já estão acostumados com o meu jeito. Ninguém se incomoda com isso, não.
            Foi nesse ponto que o colega, não resistiu em fazer uma indagação mais íntima, até um tanto indiscreta:
            — Desculpe a pergunta, amigo, mas... E esse filho? Como foi para "providenciar" esse filho? Eu não estou querendo entrar na sua intimidade, mas apenas entender até que limite você leva esse seu hábito singular.
            Baixando o tom da voz, Simplício confidenciou ao colega:
            — Bem, nesse caso, foi na rede...
            E quando o outro mal começava a esboçar aquela expressão de que, numa rede, afinal de contas, não seria realmente um jeito tão complicado de garantir a sua prole, o chefe da Seção de Estatística esclareceu melhor a questão:
            — Foi na rede... Mas foi em pé!

            Pobre mulher, a do Simplício! Quem sabe o que mais a coitada era obrigada a suportar? Porque, aquilo, sim, era um sujeitinho que gostava de complicar as coisas!

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