Crônica da semana: MÉDICO FOFOQUEIRO
Wagner Fontenelle Pessôa
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As aparências enganam e
como enganam! Não há pilantra e nem golpista ou estelionatário bem sucedido que
não tenha uma conversa bem articulada. Nada do que ele diz é verdadeiro ou
sincero, mas a impressão que deixa aos que caem em seus golpes é a de absoluta
seriedade. Porque, não sendo deste jeito, o safado não se criaria na carreira
de escroque.
Os camelôs seguem o mesmo princípio. Não se trata, aqui,
de ambulantes, que colocam suas bancas de mercadorias sem nota nas ruas e
calçadas. A menção é aos camelôs tradicionais, aqueles que, mediante uma
demorada encenação em praça pública, levam as pessoas a comprarem as maiores e
mais inúteis porcarias. De ervas medicinais ao "óleo da jiboia
branca", que, no seu dizer, curam todos os males, de bronquite a espinhela caída.
Como estes, há vários exemplos de quem acredite ou
suponha algo sobre outra pessoa, apenas pelo que esta diz, pela maneira como
fala ou, até mesmo, pela forma como se veste. Uma pessoa humilde que circula
por um hospital e vê um sujeito saindo por uma porta, todo vestido de branco,
com uma touca na cabeça e um pouco respingado de sangue, pode deduzir,
erroneamente, que se trate de um médico ou enfermeiro, ao final de uma cirurgia.
Quando, na verdade, não passa de um cozinheiro que acabou de desossar um quarto
de boi, na área da câmara refrigerada.
Você chega a uma agência bancária e, bem na sua vez de
utilizar o terminal eletrônico, é ultrapassado por um senhor de cabelos
brancos, trajando uma camisa polo, enfiada para dentro de uma bermuda, com
tênis e meia de cano alto, tudo imaculadamente branco. E se irrita porque acha
que, se ele tem disposição para dar umas raquetas e uns voleios na quadra, não
precisava ter tomado a sua vez na fila. Pode, no entanto, tratar-se apenas de
um coroa ridículo, querendo mostrar-se em forma, embora já tenha pendurado a
raquete e as bolas há bastante tempo.
Pois pensando nessas situações em que, julgando pelas
aparências, alguém tira conclusões totalmente equivocadas, é que me vem à
lembrança o caso daquele executivo de uma empresa, que se via obrigado a
trabalhar metido num terno e gravata como indumentária permanente. Mas isso não
tinha relação nenhuma com o seu intelecto, porque o sujeito, como dizia um
conhecido meu, "não lia nem jornal falado"! Conhecia muito do seu
trabalho, mas cultura geral, que é bom mesmo, quase nenhuma.
O fato é que, perturbado por uma fase ruim na vida
conjugal e por um momento estressante no trabalho, começou a padecer, digamos
assim, de um certo "esmorecimento" no seu desempenho em relação à
mulher. E esta, desgostosa com isto (aliás, desgostosa em todos os sentidos),
não o poupava, de vez em quando, de um comentário ferino ou de uma insinuação
maldosa, com o propósito de zombetear dos insucessos cada vez mais frequentes
do marido. Sendo por isto que, certa vez, após uma noite em que o escore final
foi de 4X1 — quatro tentativas e uma desistência — resolveu procurar um
especialista.
Marcou o horário por telefone e saiu diretamente do
escritório para a consulta. Depois de responder àquele questionário, que chamam
de anamnese, relatou o seu problema ao médico. O profissional mediu-lhe a
temperatura e pressão, ouviu o seu coração e pulmões com o estetoscópio,
mandou-o tossir e fez um exame visual na região dos seus países baixos. E para
não deixar barato, em pleno "novembro azul", atochou no paciente o
dedo mais comprido que tinha. Em concluindo todos os procedimentos, proferiu
seu diagnóstico:
— Meu caro, você não tem nenhum problema de disfunção,
nessa área. Vou pedir aqui uns exames laboratoriais, só para completar a sua
avaliação, mas estou seguro de que a origem de tudo está nas tensões do
trabalho, no desgaste conjugal e na necessidade de uma certa criatividade, nas
relações íntimas com a sua mulher.
E diante daquela expressão do cliente de quem pergunta o
que vai fazer para sair da incômoda situação, o médico completou:
— Fique mais tempo em casa, vá para a cama com a sua
mulher sem se sentir obrigado a nada e leia uns livros mais picantes, desses
que espicaçam o desejo da gente, de uma forma mais refinada. Nada de
pornografia barata, por favor! Leia "A Carne", do Júlio Ribeiro ou
"O Cortiço" do Aluísio Azevedo... São clássicos nesse campo!
Assim orientado, foi-se o paciente que, logo na primeira
esquina encontrou uma livraria, entrou e, para sua pouca sorte, foi atendido
por jovem que começara a trabalhar no dia anterior e não conhecia muito sobre
livros. Pediu um dos que o doutor sugerira e a comerciária, olhando para a
figura enfatiotada do freguês, deduziu, erroneamente, que o que ele procurava
só poderia estar entre os encadernados.
Procura de lá, procura de cá e, não encontrando o título
solicitado entre os livros de acabamento mais sofisticado, veio confirmar com o
comprador:
— É "brochura", senhor?
Constrangido e com uma expressão de profunda tristeza,
ele respondeu:
— Lamentavelmente, sim...
Ficou sem entender como a menina da livraria ficara
sabendo daquilo tão depressa. Mas, por via das dúvidas, nunca mais retornou ao
consultório daquele médico fofoqueiro!
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