Crônica da semana/ PROVAVELMENTE, EUROPEU...

Wagner Fontenelle Pessôa                               
Poucas coisas dão tanto espaço à criatividade como esse negócio de colocar apelido nos outros. Hoje em dia, um pouco menos, porque a paranoia do "politicamente correto" à qual chegamos limita o doce prazer do apelidar. No entanto, essa é uma brincadeira que, assim como diverte quem inventa, também deleita quem ouve determinados apelidos. E, não raramente, faz o próprio apelidado rir-se também.
            Num dias desses eu escrevi um texto acerca desse tema — não para este blog, porém — em que abordava exatamente este assunto. E aí comentei sobre um tempo em que todo mundo apelidava e quase todos tinham algum apelido: um gordinho era "rolha de poço", o baixinho era "tamborete" ou "pintor de rodapé", garoto com sardas no rosto era "malhado", um careca era "pouca telha", o ruivo era chamado de "farol traseiro"... E daí em diante.
            Ninguém se considerava moralmente ofendido por isto e nunca se soube de algum
processo, com o respectivo pedido de indenização por danos morais, por causa de um apelido. "Bullying" era uma palavra que não fazia parte das nossas cogitações e quando um menino arengava com outro, isso era chamado de implicância ou de "botar pilha". E dos que se exasperavam com os apelidos recebidos, diziam que "davam cavaco" ou que "pegavam corda".
            Indiscutível o fato de que alguns apelidos traziam uma certa dose daquela crueldade típica das crianças, porque evidenciavam um defeito ou deficiência do apelidado ou porque tinham um propósito depreciativo contra ele. Aí, o caso se resolvia com uns puxões de orelhas ou palmadas corretivas no infante sem noção. Uma prática que o proselitismo da moderna educação infantil também passou a dificultar para os pais.
            A maioria das alcunhas, no entanto, eram assimiladas e assumidas, sem nenhum problema. Muitos delas, aliás, arrastadas pelos seus possuidores pelo resto da vida e, até mesmo, utilizadas pelos próprios, para apresentar-se aos novos conhecidos. Tive um amigo baixinho, nos tempos da adolescência, que depois de adulto continuou a se identificar, do mesmo jeito como o chamávamos, naqueles tempos do ginásio: "pixulé". Outro, com umas orelhas de abano, a quem ainda chamamos da maneira como sempre foi identificado na turma: "teco-teco".
            Mas, por falar nesse negócio de apelido, acabei me lembrando de um caso ocorrido lá na Paraíba, onde um daqueles times da capital, comemorando o seu aniversário, resolveu realizar um jogo, contra um selecionado estadual, composto por jogadores dos times de várias cidades do interior. E, como é fácil presumir, a maioria deles totalmente desconhecida, do público e da mídia.
            Era um domingo ensolarado e o estádio estava ocupado, sobretudo pela torcida do time aniversariante, com a cobertura de emissoras de rádio e a presença da imprensa esportiva local. Mas no jogo, propriamente dito, quem brilhou foi o selecionado dos clubes do interior, graças ao desempenho incomum de um jogador até então anônimo, um tal de "Dirran", do qual ninguém sabia coisa alguma!
            Pois o "Dirran" — branco, quase transparente, parecendo meio anêmico — fez tudo o que um craque pode fazer numa única partida de futebol. Driblou o ataque, o meio de campo e a defesa do outro lado, deu passes espetaculares, "chapéu" e "caneta" nos adversários, para terminar fazendo dois gols inacreditáveis no time da casa: um de bicicleta e outro, um gol olímpico, com o qual selou o placar da partida, a favor dos seus.
            Ao final do jogo, a plateia estava boquiaberta e os repórteres enlouquecidos, para saber quem era aquele "Dirran", do qual ninguém sabia nada. E, na saída do gramado, aquele jogador esquálido foi cercado por todos os representantes da imprensa, presentes ao estádio. As perguntas choviam, ao mesmo tempo e de todos os lados, enquanto o herói da tarde mal conseguia responder ou explicar quem era ele ou como estava num clube desconhecido, até então.
            Foi aí que um repórter perguntou de modo mais específico, na tentativa de saber de suas origens:
            — Esse seu nome, "Dirran", é francês ou belga? Provavelmente você  descende de estrangeiros, não é? Ou "Dirran" é só um apelido, por causa desse seu tipo europeu?
            Sem entender a razão da pergunta, o simplório jogador esclareceu:
            — Na verdade, o meu apelido é "c* de rã"... O pessoal aí é que prefere me chamar só "de rã".

            Foi um jato de água fria na entrevista. Mas o repórter não estava totalmente sem razão. Desbotado daquele jeito, o tipo só poderia ser um europeu. Ou, então, um "c* de rã" mesmo!

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