Crônica da semana: EM DESFAVOR DA FALECIDA
Wagner
Fontenelle Pessôa
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É
fato conhecido que algumas pessoas, nos momentos mais impróprios, são tomadas
pela agonia de um riso incontrolável. Porque isso acontece naquelas ocasiões em
que não deveria ocorrer: durante a celebração de uma missa, numa cerimônia de
casamento, em meio a uma solenidade e, o mais embaraçoso de tudo, em velórios e
sepultamentos. Mas, que acontece, acontece!
Alguém já me explicou certa vez — ou
eu devo ter lido em algum lugar, mas não me lembro onde nem quando foi isto —
que esses frouxos de riso, em locais e momentos inapropriados, são motivados,
exatamente, por estarem as pessoas muito tensas, nervosas ou constrangidas. É o
que provoca nelas essa reação de riso incontido, em oposição ao que seria mais
lógico e adequado: reserva e compunção.
Contudo, também não se pode esquecer
que, nessas ocasiões, também costumam aparecer pessoas de uma outra categoria:
aquelas que não estão tristes, nem emocionadas, nem compungidas e são, apenas, a
máxima expressão da inconveniência! São os tais que gostam de contar piadas
durante os velórios. Por simples falta de educação e respeito ou porque
acreditam que, desse jeito, estarão ajudando a passar o tempo de alguns
convidados que, como eles, só estão ali para cumprir uma obrigação social com
os parentes do falecido.
O piadista de velório é, antes que
tudo, um "sem noção". Mas também existem outros que, embora sem o
propósito de se fazerem engraçados, acabam dizendo coisas realmente hilárias.
Ou que se tornam risíveis, por sua inadequação à gravidade do momento.
Foi mais ou menos isto o que se deu,
certa vez, quando o meu tio Justiniano, por puro espírito de solidariedade,
participou de um velório e sepultamento de uma senhora que faleceu, ao termo de
uma doença prolongada, que a fez passar meses e meses deitada numa cama. A
pobrezinha já apresentava ferimentos, pela demorada permanência no leito,
sobretudo na parte de trás do corpo, por ser esta a posição que lhe trazia
maior conforto.
Mas o fato é que a velhinha acabou falecendo
e os vizinhos acorreram para prestar a solidariedade e o auxílio final aos
parentes, que eram pessoas simples e um tanto sem iniciativa para essas coisas.
E assim como as vizinhas ajudaram a vestir a falecida e a prepará-la para o
sepultamento, os maridos se incumbiram de conduzir o "paletó de
madeira" da extinta até a sua última morada. Cada um pegou numa alça e lá
se foram de ladeira acima, em busca do cemitério da cidade. E o meu tio, de boa
vontade, agarrado a uma das alças de trás, fazia parte do desfile fúnebre. Como
manda o protocolo de um
funeral e o dever de compaixão pela dor alheia.
Até que um dos lá da frente pisou
numa depressão do caminho, desequilibrou-se e o resto dos carregadores, para
evitar um mal maior, fez força para trás, impedindo que a urna caísse. Só que
ela voltou com mais pressão do que era preciso, passou do ponto e uma das
quinas acertou bem na canela do tio, dando uma escalavrada brava na perna dele,
daquelas de arrancar a pele! Erguendo a barra da calça para avaliar a extensão
do estrago, ele gemeu alto:
— Eita, que agora lascou foi a minha
perna!
Um molecote que vinha ao lado e era
sobrinho-neto da morta, examinou o tamanho da escoriação, fez uma cara de quem
não estava vendo nada demais e comentou com certa displicência:
— "Avaloa" se o senhor
"vesse" a bunda da titia!
A risadaria dos carregadores e dos
que estavam mais próximos ao cortejo foi grande, incluindo o meu próprio tio
Justiniano, que — esquecido por um instante da dor na canela — quase deixa o
caixão da velha se estabacar no chão, de tanto que riu!
É fácil compreender que, depois de daquele
tempo todo deitada, as condições da parte posterior da finada não fossem as
melhores. Mas este era um detalhe que aquele moleque inconveniente não
precisava ter mencionado, a caminho do cemitério, em desfavor da dignidade e
memória da falecida.
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